Professores da Maré criam app para escolas em áreas de conflito

Um projeto iniciado há quatro anos numa escola da Baixa do Sapateiro, no Complexo da Maré, pode ser uma poderosa arma para amenizar os efeitos da violência no aprendizado dos alunos da Rede Municipal de Ensino. O aplicativo desenvolvido em conjunto pelos professores Alex de Souza e Jorge da Costa Silva faz mais do que simplesmente ensinar a distância: ele customiza o ambiente escolar e suas salas de aulas em computadores, notebooks, iPads e até mesmo smartphones, compensando os dias que as crianças ficam sem aulas por conta de tiroteios.

Ainda com o nome provisório de Portal Ginásio Carioca Olimpíadas 2016, a ferramenta reproduz o ambiente escolar, disponibilizando todo o material pedagógico, como apostilhas, e fazendo reposição de aulas de todas as disciplinas, inclusive eletivas, com simuladores, jogos on-line, exercícios, testes, avaliações virtuais e listas de presença.

“Os usuários do aplicativo se sentem na escola mesmo quando estão sem aulas. A ferramenta realmente simula o ambiente de sala de aula para o aluno se sentir na escola”, explica o professor de matemática Jorge da Costa Silva, que durante anos trabalhou como analista de sistema e entrou para a Rede de Ensino da Prefeitura em 2016.

O programa foi desenvolvido especialmente para os alunos que estudam em escolas localizadas em áreas de confronto. Sua inspiração nasceu a partir da informação de que 95% das crianças matriculadas nas 45 escolas da Maré têm em comum o acesso diário à internet, além de uma profunda tristeza e melancolia nos dias em que são proibidos de estudar porque as escolas estão fechadas.

“Em dias de conflitos, eles falam o tempo inteiro pela Internet com os professores”, observa Alex de Souza, acrescentando que os garotos ficam profundamente irritados com as operações policiais que os impedem de desfrutar da escola. “Quando os tiroteios começam, eles reclamam que vão ficar de novo sem aulas, o que acaba de uma vez com o mito da evasão escolar por vontade própria”, acrescenta o também coordenador pedagógico do projeto Ginásio Carioca Olimpíadas 2016.

O aplicativo foi desenvolvido na versão básica do editor gratuito de sites Wix.com, que tem versão mobile. Alex de Souza lembra que a ferramenta começou a ser pensada assim que se mudou da Baixa do Sapateiro para a Nova Holanda como uma forma de neutralizar os efeitos dos confrontos que sempre o incomodaram.

– Da janela do CIEP Operário Vicente Mariano, observava o movimento conturbado da Nova Holanda, e lembro até hoje o que pensava, ao ver os helicópteros sobrevoando a comunidade: ‘eu vim para a Baixa do Sapateiro, mas para Nova Holanda não vou jamais’. Terminei ultrapassando a fronteira, conta o professor, acrescentando que às vezes fica difícil dormir depois de dar aulas de Projeto de Vida, matéria incluída no currículo de algumas escolas da Rede, que tem 1.537 escolas e quase 650 mil alunos.

“Como garantir um projeto futuro para um aluno que fica até cinco dias no mês sem aulas?”, pergunta ele, antes de contar que a frequência dos alunos no CIEP Operário Vicente Mariano era de 100%.

O projeto hoje recebe o incentivo dos diretores do Ginásio Carioca, Ana Flávia e Érica Bittencourt, e das responsáveis pela Gerência de Educação da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CREs), Andréa Barros e Renata Costa.