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Nós, da Rede Urbana de Ações Socioculturais (RUAS), reconhecemos a importância da polícia. Acreditamos, sobretudo, em uma polícia desmilitarizada e mais humana, que trata as pessoas com respeito e dignidade enquanto protege os cidadãos e cidadãs. Essa polícia, infelizmente, ainda não é uma realidade em nosso país, como é em outros diversos países, mas ainda assim, acreditamos na polícia.

Acreditamos na polícia, mas a polícia não sabe quem somos nós, quem está por debaixo do boné aba reta ou dos dreadlocks. Trata-nos como “suspeito padrão” e nos revista, nos expondo a situações constrangedoras diante de olhares curiosos e tementes de passantes. Muitos de nossos colaboradores e gestores da RUAS já passaram por isso. Apenas uma polícia desmilitarizada e socialmente engajada compreende a importância de romper com o ciclo do racismo institucional e outras mazelas a ele atreladas.

O tema requer muito diálogo e envolvimento com a causa, que está para além de uma divisão entre policiais e bandidos, ricos e pobres, negros e brancos. E isso nos faz pensar que um diálogo com a instituição se faz novamente necessário. Um diálogo institucionalizado, de onde possa sair propostas em curto prazo. No mesmo ritmo que a nossa juventude negra de periferia está morrendo, assim deve ser a resposta deste órgão que deve atuar sim, no combate à violência, mas com vistas a proteger e não a reprimir os cidadãos.

Acreditamos que a polícia deve sim, cuidar da criminalidade, da prevenção do crime, usar as tecnologias para investigação, realizar ações integradas para prevenir tráfico de armas, drogas e pessoas, prostituição infantil, lavagem de dinheiro, crimes cibernéticos entre outros. Referendamos ainda que, a abordagem policial como ação preventiva é importante e necessária, mas existem normas de procedimentos aprovadas pela ONU que o Brasil é signatário que orientam quanto a abordagem. O policial militar deve usar a educação, se identificar, explicar a ação, pedir os documentos do cidadão e por fim, caso nada constar, agradecer ao cidadão por colaborar com o trabalho, ou seja, o diálogo é a principal ferramenta de abordagem, avaliação e ação.

Ao contrário do que se pensa a desmilitarização da polícia não significa menos controle social, ou que o policial andaria desarmado, e sim, que para além de qualquer armamento, a proximidade à comunidade atendida e o debate sobre suas necessidades seria a prioridade na atuação dos profissionais. É preciso haver uma discussão, por exemplo, do tipo de armamento a ser utilizado, se há necessidade de portar um calibre 38, quando uma arma menos letal seria suficiente para imobilizar e prender uma pessoa que não apresenta risco iminente (uma pessoa desarmada, como está a maioria dos jovens abordados). O investimento em armas menos letais e, consequentemente, mais baratas, faria sobrar mais recursos para uma relação mais tranquila e menos bélica entre a polícia e os cidadãos a quem visa proteger. Uma polícia próxima à comunidade, que a respeita e a protege (e não a reprime) seria o primeiro passo rumo a uma cultura de não violência.

Infelizmente, tudo isso ainda é uma utopia. Ainda vivemos a realidade apresentada por estatísticas alarmantes. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU), Mapa da Violência, Conselho Nacional de Justiça, Ministério Público Federal, revelam um triste fato: temos uma polícia racista, que mata sem investigações, fragmentada nela mesma (militar, civil, Federal), e atrasada perante as outras polícias do mundo. A brasileira é uma das que mais matam no mundo (http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/crimes/2013-11-05/policia-brasileira-mata-cinco-por-dia-e-e-uma-das-mais-letais-do-mundo.html ) .

Ao sabermos da notícia de que teríamos centenas de policiais novos nas ruas do Distrito Federal, comemoramos, pois sempre é possível começar de novo e repensar a formação das antigas turmas. Mas ainda não nos deram a chance de conhecê-los. Eles ainda não apareceram nas nossas quebradas. Talvez fosse um bom exercício para eles, e também para nós, como num estágio, que começassem seu novo trabalho, tão essencial para uma sociedade em equilíbrio, aqui, com as centenas de jovens dos projetos sociais, conversando com as associações de mães, de bordadeiras, nas escolas próximos de nossos alunos. Mas não. Eles não estão aqui.

Ainda assim, acreditamos na polícia, e a temos como parceira em ações estratégicas nos nossos eventos e em discussões sobre segurança pública. Em 2012, por exemplo, o Programa Jovem de Expressão (maior projeto executado pela RUAS) trabalhou o tema “Segurança Pública” com oficinas, palestras, e visitas ao 8º Batalhão (Ceilândia). Tivemos um link ao vivo na TV Record, juntamente com o Tenente Coronel representante deste batalhão na época, que, juntamente com seu batalhão, ouviu nossas demandas, em especial levadas a ele pelo Programa Educação para Cidadania e Segurança (EDUCS). Para, além disso, traçamos parcerias, conversas e contribuições diversas com o Programa Pró-Vítima, a Rede Social de Ceilândia, ONG’s, e grupos culturais com atuação nessa temática.

No dia 8 de novembro de 2012, fizemos um grande encontro no Centro Universitário IESB, Campus Ceilândia: “Diálogos com a juventude – Segurança Pública”. Cerca de 200 pessoas participaram e discutiram os eixos transversais do encontro, que foram: Mortalidade juvenil, Revitalização dos espaços urbanos, e Juventude e polícia. Entre os participantes estavam líderes comunitários, PMDF, Bombeiros, Polícia Civil, ONU, IESB, e outras entidades ligadas ao tema.

Caros senhores, este extenso relato se faz necessário para que entendam que este diálogo é urgente e caro para nós. Que somos parceiros, e não adversários, na luta para tornar nossas quebradas locais seguros e tranquilos, com qualidade de vida para seus moradores. Quanto mais demorado esse diálogo for, mais jovens sofrerão nas ruas manchadas de sangue, que os rap’s periféricos alertam há muito tempo. Acreditamos que o primeiro passo para este diálogo seja a aproximação, profissionais pouco burocráticos e muito comprometidos com a vida. Jogamos contra o tempo e sabemos que a burocracia, os tratados assinados pouco fazem parar a enxurrada de sangue derramado nas vielas onde nascemos.

Sendo assim, nós, em nome da RUAS e das ruas, registramos que:

1) Somos contra qualquer ato de abuso de poder;
2) Não somos contra a polícia, mas contra a forma militar como ela se organiza. É preciso discutir a desmilitarização;
3) Precisamos avançar com ouvidorias independentes e corregedorias espalhadas nas cidades;
4) É necessário ampliar o debate de se implementar uma Policia realmente comunitária, com Uso Progressivo da Força e Cidadã;
5) A fim de que a população conheça sua polícia, faz-se necessário que seja publicado o nome dos comandantes por área e que o mesmo participe das rede sociais locais e de foros de dialogo com a comunidade de forma permanente;

Contudo, pedimos diálogo, pois uma das nossas bandeiras é o enfrentamento ao genocídio da juventude negra. Convidamos o Secretário de Segurança do Distrito Federal e o Comandante Geral da Polícia Militar ao diálogo.
Viva a juventude! Vida aos nossos jovens negros! Juventude NEGRA VIVA.

Rede Urbana de Ações Socioculturais.