“Ouvem-se gritos… o chicote estala.
E voam mais e mais…
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!”
O trecho acima, da obra Navio Negreiro, denota os anseios da sociedade brasileira, representada pelas mais de cinquenta mil pessoas, de diversos segmentos, que foram às ruas de Salvador. Com início na praça do Campo Grande, o movimento culminou na praça que dá nome ao poeta dos escravos: Castro Alves.
Estudantes, professores e pessoas ligadas à uma diversidade de segmentos, foram às ruas, de maneira pacífica e democrática, com o intuito de protestar contra os ataques à Educação (cortes de quase 25%).
O movimento em favor da Educação, entre outros fatores, além de ter sido positivo (do ponto de vista democrático) para o exercício da cidadania serviu como metonímia para protestar contra outros anseios que afligem a sociedade brasileira: a reforma da Previdência; a lei que regulamenta a posse e o porte de armas; a alteração no Código Florestal (que favorece a degradação ambiental) e a licença para matar, do Ministro Sérgio Moro.
É unânime, dentre os presentes no protesto, posicionamento análogo ao de grande parte dos brasileiros, que essas propostas violam princípios constitucionais e direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e o direto à vida, respectivamente. De fato, tais afrontas reverberar-se- ão sobre a parcela mais vulnerável do nosso país, contribuindo, ainda mais, para a vulnerabilidade social e para perpetuação dos diversos tipos de violência, como por exemplo, o genocídio diário do povo negro.
Diante de um cenário caótico que denota a retomada e ascensão de uma secular burguesia, alicerçada de privilégios e vaidades em detrimento de uma maioria historicamente escravizada e marginalizada, encontra-se no timão do navio, o ápice da intolerância, ignorância e retrocesso. Um governo em que as suas ações inclinam-se suscetivelmente aos ditames do perverso capital, sem uma análise economicamente categórica das consequências danosas para o país, de modo geral. É como se estivéssemos à deriva, sem uma bússola. E pior: sem motor e sem remos!
Por esses motivos, os gritos, gemidos e cantos que ecoam, não só na Bahia, mas em todo país, fazem-se necessários e urgentes, antes que o gigantesco navio Negreiro, chamado de Brasil naufrague.
* Matéria publicada no Jornal A Voz da Favela, edição de junho 2019