Texto: Elaine Freitas/Fotos: Edmilson de Lima – Imagens do Povo

No dia 19 de maio de 2011, às 10h30, foi realizado o 4º. Fórum Comunitário da Providência convocado pela UPP Social. Inicialmente, os gestores do Estado fazem elogios a si mesmos: falam que a política de instalação da polícia pacificadora é um sucesso e que a cidadania avança com as reivindicações dos moradores com o (suposto) fim da violência e agora (só agora?) o poder público vai escutar as reclamações sobre lixo, abastecimento de água e moradia. Ainda elogiando a si mesmos, falam que o Programa Morar Carioca está enfrentando dificuldades “normais” mas será um enorme benefício para os moradores devido a abertura de ruas carroçáveis…Será mesmo?

As falas seguintes desmentem esse discurso. Vai o representante de uma incubadora de empresas defender que os comerciantes elaborem novos produtos para os próximos habitantes que “certamente chegarão com as mudanças em uns cinco anos”. Que mudanças? Remoções e taxas de serviços – que pretendem ser bem-sucedidos sob a proteção do patrulhamento instalado na região.

Mas, os moradores tomam a palavra, de um jeito tímido em um espaço burocrático como o do Fórum e sem caráter deliberativo – com a coragem de Maurício dizendo que a UPP protege os moradores da própria polícia, tendo a GPAE assassinado na área, em apenas dois anos, 46 pessoas: “uma verdadeira chacina”. Várias outras vozes vão se somar na parte da tarde, na reunião com a Plataforma Dhesca na Casa Amarela para denunciar as violações sofridas pelos habitantes da Providência no seu direito à cidade.

Dona Rosiete cozinha, chama ajuda, mobiliza, conta as casas marcadas para remoção pela prefeitura, conversa, insiste que é possível e justo lutar pela permanência no lugar que a memória de dona Iraci gosta de chamar de “morro da favela”, como era denominada, antigamente, a Providência. Janice mostra as fotos com rostos de seus vizinhos, parentes e amigos publicadas por um artista estrangeiro e se agonia com o avanço do projeto que dizia realocar 30 famílias, mas já são mais de 300 moradias assinaladas para erguer condomínios com vista pro Pão de Açúcar, Cristo, Baía de Guanabara, retirando as casas que atualmente podem enxergar estes pontos turísticos, porque o prefeito decidiu que aos pobres isso deve ser proibido.

Chegam os relatores da ONU para anotar que Maria Regina foi obrigada por uma suposta funcionária da prefeitura a deixar fotografar o interior de sua casa, sem ordem judicial nem nada; Juliana quase perde a mãe que ficou com a glicose acima de 300 quando foi ameaçada de remoção; e todas as pessoas presentes reclamando do baixo valor oferecido para indenização. Os moradores propõem, então: 1) que o projeto urbanístico seja discutido com a comunidade e modificado de acordo com as suas necessidades; 2) que a saída das famílias deve ser direto para a nova residência, sem enrolação de aluguel-social, muito menos a humilhação de expulsão das casas para abrigos; e 3) a revisão dos projetos já realizados sem consulta à população para que os monumentos e demais intervenções urbanas correspondam, de fato, às demandas dos residentes.

No dia seguinte, 20 de maio, às 15 horas, a Ordem dos Advogados do Brasil recebeu a relatoria dos muitos casos de violação do direito à cidade, com remoções ilegais, ameaças e outras arbitrariedades cometidas em nome de uma cidade que se quer global, para receber bem a visita, mas, pra isso, os governantes acham que precisa expulsar os moradores que vão receber – como uma punhalada e não como um momento de festa e alegria – a Copa e as Olimpíadas. Mais uma vez, um morador da Providência – Edson – toma a palavra para mostrar que a verdadeira maravilha do porto é o seu povo, que não quer nem precisa se mudar para a condição de vida melhorar. O lugar precisa se transformar com a presença e participação dos habitantes e não pela sua exclusão.Chega o fim de semana e, quem conhece seus direitos e está disposto a fazê-los respeitar, conspira, organiza e conquista um auditório cheio na Audiência com a Procuradoria da República do Estado do Rio de Janeiro no dia 24 de maio de 2001, às 14 horas. São cerca de 150 pessoas da Providência e do seu entorno (moradores de ocupações e cortiços) rompendo o silêncio do medo para dizer que as obras tem sido utilizadas como plataforma eleitoral, oferecendo emprego temporário para poucos enquanto destrói a vida e a casa de modo permanente pra muitos; abordando as famílias sem identificação oficial; pressionando pelo recebimento de quantias irrisórias pagas no canteiro da obra, sem que o gestor público mostre a cara de quem financia o aumento das desigualdades e da miséria com a monstruosa política de remoção de ocupações e favelas que se espalha pelo Rio de Janeiro.

Tudo parece difícil. A relatoria da ONU explica que “relata, mas não decide”. A Procuradoria da República diz que “procura informações, mas não tem algumas atribuições” para impedir os desmandos feitos pelos projetos viários e pelo Porto Maravilha.

Assim, as principais ações que continuam se destacando são, de um lado, os projetos de remoção e de despejo do prefeito e do secretário de habitação, com dinheiro do governo federal e sob a proteção policial do governo estadual e, de outro lado, os moradores de áreas afetadas por essa lógica de cidade-mercadoria em que a moradia e a história de vida das famílias parece não valer mais nada. É difícil, mas ainda assim, é possível que vençam os habitantes da Providência e das demais áreas atingidas pelas megalomanias olímpicas.

Com organização, apoio, mobilização, todos os dias contra as investidas da prefeitura e novamente se fazendo ouvir sobre a necessidade de interrupção imediata das obras nas quais famílias estão sendo removidas como será debatido na audiência pública na Procuradoria da República, dia 16 de junho, às 14 horas, na Avenida Nilo Peçanha 31. Para “defender, mais que a vida, a canção dentro da vida, para defender a chama de liberdade acendida no fundo do coração” (Thiago de Mello).

 

O Programa Morar Carioca é responsabilidade da Secretaria Municipal de Habitação é prevê gastos de R$ 2 bilhões para “urbanização de comunidades” da cidade do Rio de Janeiro para, na fala do prefeito, “fazer com que as regras da cidade passem a valer, além de implantar um sistema de monitoramento e controle de expansão”, instalando em cada comunidade um Posto de Ordenamento Urbanístico e Social (POUSO), limitando construções, reformas e removendo famílias.

A Plataforma Dhesca Brasil é uma articulação nacional de 36 movimentos e organizações da sociedade civil que desenvolve ações de promoção, defesa e reparação dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (doravante abreviados em Dhesca) e faz parte da Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento (PIDHDD), que se articula desde os anos 1990 para promover a troca de experiências e a soma de esforços na luta pela implementação dos direitos humanos, integrando organizações da sociedade civil de diversos países.