”Um fuzil e R$ 2 mil valiam mais do que meu filho”

Felipe Werneck

Hanry Silva Gomes de Siqueira foi assassinado aos 16 anos no Morro do Gambá, em Lins de Vasconcelos, zona norte do Rio, com um tiro no coração, em 21 de novembro de 2002. Seis anos depois, dois PMs foram condenados pelo crime. A mãe dele, Márcia de Oliveira Silva Jacintho, é uma das personagens do livro Auto de Resistência – Relatos de familiares de vítimas da violência armada (7Letras), organizado pela socióloga Barbara Musumeci Soares e pesquisadores do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes.

"Quase um mês depois da morte do Hanry, um rapaz envolvido com o tráfico me viu chorando. Chegou perto de mim e disse assim: "Tia, a senhora é que é a mãe do menino que morreu lá no alto?" Eu falei: "Sou. Por quê?" "Ah, porque o cana (policial) que me pegou falou que estava com o moleque na mão, botou no peito e apertou." Então levei aquele impacto. Ele não teve a menor preocupação de contar algo que todo mundo sabe que acontece no morro. Ele foi pego pela polícia e os bandidos deram R$ 2 mil e um fuzil em troca da vida dele. Já o meu filho, como não era bandido, ninguém pagou pelo resgate", relata Márcia. "Então, com toda a dor, entendi que o Hanry foi assassinado porque a vida dele não valia nada para aqueles policiais. Um fuzil e R$ 2 mil valiam muito mais do que a vida do meu filho. Quem eles executaram? Um menino pobre, dentro da favela. E que importância isso tinha para eles?"

Durante o processo, Márcia provou que o filho não estava armado e não levava drogas, ao contrário do que afirmavam os policiais. Ela conta no livro que tinha medo de morar em favela, por causa de bala perdida. "Qual é a mãe que não se preocupa? Tenho mais duas filhas, e meu filho, como elas, foi criado com educação, respeito e amor. Até por ter vindo do interior, sempre o orientei, falei das drogas, do tráfico, dos perigos da polícia. Seu sonho era ser jogador de futebol e "ter situação para tirar a mãe do morro"."

FONTE: ESTADÃO