Uma escola num bairro nobre da capital soteropolitana resolve homenagear os negros fazendo uma grande festividade no dia 13 de maio. Alguns fizeram paródias, outros seminários, alguns fizeram poesias e outros peças de teatro, mas nem tudo ficou muito claro, porque havia poucos alunos que poderiam fazer o papel dos escravos. Na verdade, tudo ficou muito claro.
A ideia da diretora era utilizar o 20 de novembro, mas já era perto das provas finais e mexer no calendário dava muito trabalho, era melhor fazer em maio. Como há dois meses no ano que os negros são lembrados, ignorar um não parecia algo tão errado. Assim foi feito, depois do intervalo todos os alunos ocuparam a quadra, não a principal, onde acontecia os jogos com clima de estádio, ocuparam a que ficava no andar de baixo.
As apresentações traziam textos de Conceição Evaristo, Luiz Gama, Martin Luther King, todos com papel nas mãos e lendo uma leitura impecável, a pontuação estava na ponta da língua…e só. A cada final, aplausos empolgados, até daqueles que nem tinham escutado, pois o celular mostrava alguma foto que não era do (inst)agrado. Trabalho bem feito, alunos conscientes vão poder voltar para casa sabendo a importância do papel que a Princesa Isabel desempenhou para libertar nossos “irmãos”.
“E por fim, chegou o dia da abolição!!!!!!”, gritou o professor de história, já vermelho do sol no rosto desde as 9 horas. O relógio já apontava meio-dia e todos queriam ir embora. Mas, um jovem calado levantou a mão, para desagrado dos mais apressados.
“Posso ler minha poesia?”
“Mas o evento já acabou.”
“Por favor”. Seria muita incoerência negar o pedido de quem, naquela manhã, deveria ser a principal referência.
“O palco é seu.” Ele caminhou lentamente, tirou um papel amassado do bolso e começou:
“E lá vai o menino indo pra escola
Pega o ônibus e seu motorista negro
Pega o troco com o cobrador negro
Passa pelo porteiro negro
E no quadro negro
O professor branco fala sobre escravidão
Comemora a abolição
E diz que isso, hoje, não existe, não.”
Silêncio. Nem aplausos, nem vaia, só silêncio. O silêncio tão alto quanto o grito dos desabrigados que ocuparam morros e até hoje seus descendentes olham a vida pelo “alto”. Silêncio tão alto quanto o pedido desesperado para convencer o PM, a justiça, o estado de que não se é o verdadeiro culpado. Silêncio tão alto quanto os quadris, cabelos, narizes, vozes, lábios. Silêncio tão alto quanto o grito de quem já nasceu com um alvo. Silêncio… e só.