Nesta terça-feira (29), às 10h, na Escadaria da Câmara Municipal, aconteceu a cerimônia inter-religiosa em homenagem à memória das vítimas da covid-19 no Brasil. A ação foi organizada pelos integrantes do projeto de resistência “Memória Não Morrerá”, com a exposição de painéis concebidos e realizados por inúmeras mãos e corações de bordadeiras espalhadas por todo país, além de falas de representantes de diversas frentes religiosas.
O projeto é composto por um coletivo de mulheres de todo Brasil que “bordam política”. Os mais de 30 metros de painéis formam um entrelaçar de muitas mãos que registram em forma de arte a tragédia que se vive no país. Esse movimento cresce e vai sendo construído sem ponto de chegada, junto com as catástrofes que vem acontecendo, sem que se tenha a dimensão destas para o futuro do país.
Dentre os painéis exibidos, o que fica a frente e chama a atenção de quem passa, é o da bandeira do Brasil, onde o lema “Ordem e Progresso” dá lugar ao “Memória não morrerá”, com nomes de vítimas do covid-19 ao lado. São no total mais de 40m de painéis compondo mais de 2.000 nomes no total. Esses painéis já estiveram presentes em atos com Padre Julio Lancelotti, em São Paulo, assim como no Levante Pela Terra, em Brasília.
Gláucia Garcia, do coletivo Linhas do Rio, que a 4 anos faz bordados militantes em praças, atos, e prinicipalmente em defesa do SUS, conta um pouco mais sobre esse trabalho:
— Começamos a ver muitas perdas, nós mesmas tivemos muitas, e não víamos nada sendo feito para externar esse luto. As pessoas depois de mortas, tem seu enterro rápido, limitado pelo covid-19, com o próprio rito funenário incompleto, e os parentes sem serem confortados, porque tudo isso faz parte. Além disso, as pessoas só falam em números, e o que são 500.000 mortes? fica difuso! Então iniciamos essas ações bordando nomes, para tentar tocar as pessoas dessa forma. Só aqui são 40m de painéis com 2000 nomes de pessoas de todo país, inclusive muitos indígenas.
E continua, explicando sobre a motivação para organização do Ato inter-religioso:
— A ideia de congregar várias religiões é tentar fornecer acolhimento para essas famílias, que não tiveram seus ritos de passagem realizados de forma completa. Esses ritos são parte da história humana, e quando não são exercidos, o luto se torna ainda pior. É o mesmo que se dá com pessoas desaparecidas. Por isso buscamos não só manter a memória dessas pessoas, mas sobretudo que os vivos despertem. Estamos em um momento onde os argumentos racionais parece que não chegam mais até as pessoas, então pensamos que pelo coração podemos conectá-las.
Suzete Paiva, professora, mulher de matriz africana que compõe a comissão da UNEGRO, União de Negros pela Igualdade, esteve presente e compartilhou uma fala que emocionou a todos os presentes. Em depoimento à ANF, ela comenta sobre sua luta e participação na manifestação:
“Confesso que fiquei muito emocionada em participar hoje, pois anteriormente não acreditava nessa união. Hoje vi que pode ser possível e espero estar cada vez mais presente para nos relacionarmos e fortalecermos.”
Sobre Senador Camará, território onde vive:
— Lá é uma favela como todas as outras, onde todos os dias convivemos com a luta e a esperança ao mesmo tempo. As coisas acontecem e não temos muita publicidade, e quando tem, as pessoas começam a ir e depois abandonam, porque tem muito medo. Convivemos todos os dias com a intolerância religiosa, e o que eu espero é que em algum dia todas as comunidades e periferias possam se unir para tentar se salvar.
Estar em espaços de manifestação como esses, pode não mudar o todo, mas contribui para despertar a consciência nas pessoas.
“Memória Não Morrerá é, hoje, um conjunto de mais de 40m de painéis bordados com nomes, corações, retratos, frases e símbolos que expressam solidariedade, respeito, dor, amor, indignação, revolta, e a certeza de que mais do que preciso, é possível reagir e transformar o luto em luta. Ainda não é possível enxergar o ponto final desse trabalho. Mas ele mantém viva a memória dos irmãos que se foram. Eles estão presentes sempre que os painéis são expostos”, diz o manifesto do movimento.