Nas últimas semanas assistimos horrorizados aos desdobramentos macabros do caso do menino Juan de Moraes, de 11 anos, morador da favela Danon, em Nova Iguaçu, assassinado por policiais militares. No dia seguinte ao desaparecimento de Juan, seus parentes e vizinhos foram para as ruas protestar contra o que já se sabia: ele foi executado pela polícia. E a história se repete. A polícia alega que houve confronto com traficantes locais e registra as execuções em autos de resistência, instrumento jurídico que exclui a responsabilidade criminal dos agentes de polícia pelas mortes que eles causam, em nome de suas legítimas defesas ou do estrito cumprimento de seus deveres legais. A quantidade de autos de resistência registrados no Estado do Rio de Janeiro é assombrosa. Segundo os dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública, só neste ano já foram registrados pela polícia 374 autos de resistência, ou seja, 53 mortes por mês. No ano passado mataram 855 pessoas, numa média de 71 pessoas por mês. Evidentemente os casos relatados acontecem dentro de favelas e áreas pobres, onde a falta de visibilidade faz com que a polícia se sinta à vontade para matar sem ser questionada. E por isso a imprensa tem um papel anda mental, na medida em que tem o poder de tornar público o que as autoridades querem esconder. A súbita eficiência demonstrada na investigação da morte do menino Juan é um exemplo claro do poder de transformação que a imprensa tem ao dar publicidade a casos de violência policial. Mas existem milhares de casos iguais aos do Juan esquecidos nos arquivos das delegacias policiais, como o assassinato de três meninos que saiam de um baile funk na favela da Rocinha, em fevereiro de 2004. Segundo os relatos das testemunhas, policiais com caras pintadas e sem identificações entraram na festa e levaram quatro garotos para uma viela onde começaram a matar um de cada vez. O primeiro foi Liniker Madeira, de 17 anos. O segundo, Leandro da Silva, de 16 anos, levou um tiro no pescoço, enfiaram-lhe um saco plástico na cabeça e em seguida deram-lhe um tiro no olho direito. O terceiro a morrer foi Jean de Campos, com 13 anos de idade. O quarto sobreviveu e contou a história toda. Todos estavam matriculados em escolas públicas, as perícias realizadas nos cadáveres confirmaram os relatos apresentados e constataram que os tiros desferidos contra os meninos entraram pelas costas, ou seja, não houve a resistência alegada pela polícia. Sete anos depois e a investigação ainda não foi concluída. No caso do menino Juan, amplamente divulgado pela imprensa, o delegado responsável pela investigação foi afastado do caso depois de algumas semanas pela lentidão na investigação.
Em agosto de 2005 a polícia militar matou na favela da Rocinha o menino Flaviano Vialonga, de 15 anos com um tiro por trás do pescoço, segundo o laudo médico do hospital Miguel Couto. No Instituto Médico Legal os peritos disseram “que não possuem elementos tecnicamente hábeis para determinar o instrumento ou meio que produziu a morte”. No caso de Juan a perita que emitiu um laudo errado foi sumariamente afastada da polícia. O menino Lucas França, de 15 anos, estudante no ciep Ayrton Sena foi morto com um tiro na cabeça por policiais que procuravam traficantes na favela da Rocinha em 2005 e a investigação foi arquivada por falta de provas.
Lamentavelmente essa mesma polícia que mata meninos hoje leva o nome de pacificadora das favelas cariocas.
Escrito por João Bernardo Kappen, advogado.