Quem conhece um pouco de história do Brasil e viveu o período da ditadura militar como o autor destas mal traçadas linhas há de entender por que os militares listados nas investigações comandadas pelo ministro Alexandre de Morais não devem ser julgados na justiça militar. Quem, por outro lado, ainda é jovem e não conhece detalhes da nossa história, deve perguntar-se logo de cara: por que militares criminosos não são julgados pela justiça comum, como todo mundo?
Para começar, os militares aprendem a história do Brasil por outra cartilha, na qual são heróis ou mocinhos, têm direito a aposentadoria especial, previdência social própria, critérios de progressão profissional únicos e uma justiça para chamar de sua que não tem nada a ver com a dos pobres civis. Tudo isto é interligado de maneira que, tendo outra visão da história, vejam todos os fatos com outros olhos e aceitem toda sorte de privilégios com a naturalidade de quem entende as benesses como direito adquirido.
No texto de ontem, me referi às bombas do Riocentro, em abril de 1981, para exemplificar a necessidade de acabar com a justiça militar, mas não fui explícito por considerar o julgamento dos terroristas de 2023 ainda distante. Hoje, entretanto, lembrei que o general golpista Sérgio Etchegoyen já antecipou a discussão ao propor anistia a todos os vândalos golpistas do 8 de janeiro, civis ou militares. Está mais do que na hora de refrescar a memória nacional e dizer com todas as letras que perdoar aquela gente é como anistiar também os piores criminosos condenados nos presídios brasileiros.
Sabemos como funciona essa lógica deturpada, porque o último ato de Jair Bolsonaro na presidência foi assinar o indulto aos policiais militares condenados pelo “massacre do Carandiru”, extermínio de 111 presos do maior presídio paulista à queima-roupa dentro das celas durante uma rebelião nos anos 1990. O indulto foi cancelado pela presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, em seguida.
De volta ao caso Riocentro, ele jamais chegou a bom termo porque foi entregue à justiça militar. Os responsáveis óbvios eram um sargento em cujo colo explodiu uma bomba e o capitão ao volante do carro no amplo estacionamento. Depois de marchas e contramarchas e de mudar chefes das investigações, a justiça militar não chegou a um resultado satisfatório e o país inteiro aceitou que os dois militares do DOI foram os únicos culpáveis pelo episódio, mais um dos atos de gente do próprio Exército inconformada com o fim da ditadura.
É o mesmo que vemos agora, com o sinal trocado: vitorioso nas urnas o candidato democrático e popular, o aprendiz de ditador tenta dar o golpe, auxiliado por oficiais graduados dos tempos da ditadura de 1964. As vozes daqueles anos sombrios se fazem ouvir nos quartéis e na mídia em favor do julgamento militar dos acusados. É preciso lutar e dizer não a mais esta tentativa de anistiar criminosos que envergonham a farda. A ministra Rosa Weber tomou a atitude inspiradora no caso do Carandiru; o exemplo deve se impor no golpe. O STF tem se mostrado o grande guardião da Constituição e da democracia.
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