Quem é vivo sempre aparece

Michel Temer - Foto Marcello Fim/Zimel Press / Agência O Globo

Cem mil mortes e Bolsonaro vai ajudar o Líbano que enterra menos de duzentas vítimas do terrorismo internacional. Essa ajuda não é solidariedade: é inveja. Não significa qualquer sentimento cristão, mas antes admiração secreta pelo esplendor do cogumelo traçado no céu de Beirute a evocar bombas atômicas sobre Hiroxima e Nagasaki. Que portento! Que capacidade destrutiva! Uma lembrança a atravessar décadas, agora nos 70 anos da explosão.

Jair Bolsonaro envia comitiva ao Líbano em reverência à destruição da zona portuária da capital. Ele tem certeza de que serão muitos mais os mortos, mutilados, feridos física e psicologicamente pela explosão. Invejoso da capacidade destrutiva dos autores que receberia em Brasília com honra e louvor para pespegar-lhes no peito a Ordem do Cruzeiro do Sul ou a Comenda do Grão Vírus.

Fala-se e acusa-se aqui e ali o estado de Israel pela bomba. Não sei, mas sim sei que o governo israelense é muito querido por Bolsonaro e a simples hipótese deve enchê-lo de orgulho, como as trapalhadas de Donald Trump o levam ao orgasmo. Os Bolsonaro machos são do tipo que na minha adolescência dizia-se que “gozavam com o pau dos outros”, sabe como? Um vascaíno que sacaneia o botafoguense porque perdeu para o Fluminense.

Preste atenção nos detalhes e verá que Jair e seus pimpolhos só fazem ridicularizar os adversários. É o que fazem de melhor (ou pior). A crítica neles é deboche, escárnio, desqualificação. Não elogiam o aliado; desconfiam dele dia e noite, exigem declarações e demonstrações de fidelidade incondicional e ao primeiro sinal de divergência cortam-lhe a cabeça, põem a casa abaixo e salgam o terreno pra torná-lo árido e sem vida.

Me diga por que o Brasil, com 100 mil mortos e três milhões de infectados na pandemia, deve ajudar humanitariamente o Líbano. E mais: por que enviar comitiva chefiada por Michel Temer, nosso coveiro-mor? Só consigo pensar em alguma fina ironia do presidente e seus asseclas. Imagino a reunião de alto escalão:

Bolsonaro: “Podíamos fazer alguma coisa lá no Líbano”. Ernesto Araújo: “Bem pensado, excelência, que tal doar dois milhões de comprimidos de cloroquina?”. Augusto Heleno: “Não, isso não, foi doação do Trump”. Bolsonaro: “Boa ideia, podemos doar a que foi fabricada pelo Exército”. Augusto Heleno: “Vai ficar a impressão de que fizemos cortesia com chapéu alheio”.

Ernesto Araújo: “Podemos emitir nota de solidariedade ao governo e ao povo libanês pela tragédia”. Bolsonaro: “Quem falou em solidariedade aqui? Em tragédia? Que tragédia? Morreu quem tinha que morrer, porra!” Ernesto Araújo: “Isso mesmo, presidente, muito bem formulado…nada de nota oficial”. Augusto Heleno: “O Brasil deve tomar uma atitude proativa, mostrar preocupação”.

Foi assim, presumo, que depois de muito confabular, os três concordaram com a comitiva oficial para anunciar ajuda. Pensaram no general Eduardo Pazuello para comandá-la, mas os libaneses podiam interpretar como deboche. Alguém sugeriu Ricardo Salles, expert em destruição, que seria aprovado, não fosse o veto de Bolsonaro: “Não confio nele”.  Outra opção, óbvia, era o próprio Ernesto Araújo, que alegou tratamento dentário e saiu pela tangente, propondo a Damares. “Dragão! Aí é sacanagem com os turcos, porra! Prefiro mandar a Michelle”, protestou o presidente.

Augusto Heleno interveio: “A primeira-dama não, senão cada vez que tiver situação assim ela vai ter que ir”. Ernesto Araújo concordou: “É verdade, a primeira-dama deve ser preservada, e além disso o presidente quer alguém com raízes na região”. Bolsonaro se espantou: “Eu? Eu disse isso?” Ernesto Araújo se ajeitou na cadeira: “Sim, presidente, o senhor tinha me sugerido até o nome do seu antecessor Michel Temer”. Augusto Heleno atalhou, curioso: “O Temer ainda está entre nós?” E se benzeu, por via das dúvidas.