Todos os dias, encontramos novas fontes de pesquisa e conteúdo. Nesse momento, inclusive, um novo canal no YouTube provavelmente está sendo criado ou uma nova celebridade do mundo adolescente está nascendo.
Esqueçam as revistas que precisávamos ir até a banca de jornal para adquirir. Tudo está muito mais acessível, exposto e vulnerável. Tudo a um clique de referência.
Diariamente, novas referências vão surgindo, algumas com mais acesso, autenticidade e/ou diferencial. Nessa constante variação de quem surge e quem desaparece, principalmente no mundo digital, me preocupa assustadoramente qual é o repertório dos nossos e para os nossos.
Quem são aqueles que formam opinião para a favela? Para nossas crianças e adolescentes pretos? Que estimulam ou desestimulam a autoestima deles?
Um dia desses, conversando com alguns adolescente da escola onde o meu projeto Autoestima Diva mantém uma metodologia de autoestima na educação, o nome da youtuber Kéfera foi levantado como uma das mais aclamadas. Com direito a choro, inclusive, por não poderem adquirir seu livro. Comecei a dialogar com eles para entender qual era o real motivo do alvo de tanta inspiração, uma vez que nem de longe a celebridade em questão, pertencia à vivência deles – seja em questões raciais, sociais ou cotidianas. Não passava na minha cabeça sequer uma relação que os colocasse como forte público-alvo de consumo.
Me preocupa a responsabilidade que esses novos ídolos expõem como conteúdo de influência para um público que tem uma estrutura emocional e de vida totalmente diferente.
Essa semana postei em uma de minhas redes pessoais a seguinte questão: “Queria fazer uma foto do look do dia, mas a cor do caveirão não combina com o colorido do vestido”. O trecho que citei, estava martelando o dia inteiro na minha cabeça, quando me questionei qual era a real função do conteúdo que eu desejava levar para aqueles que leem meus textos e consomem meu conteúdo nas redes.
Não. Falar de moda, beleza ou look do dia nem sempre é irrelevante, mas qual é a forma com que esse conteúdo chega até os que estão na curva da invisibilidade social?
Quem nunca soube da história, por exemplo, de algum menó que entrou para o crime só para comprar um tênis e uma blusa daquela marca que não posso mencionar aqui, mas que é vista como o consumo principal entre adolescentes, para demonstrar poder?
O problema não é o desejo por adquirir e consumir o que se vê, mas quando essas referências chegam vazias e sem a menor responsabilidade com a reação da outra ponta, sinto dizer que me parece um desserviço, principalmente para aqueles que nos veem como foco central de inspiração.
Sabemos que é praticamente impossível ditar que vejamos somente conteúdo referente a nossa etnia e classe social, e até arrisco dizer que esse seria um dos menores problemas – seria! Seria se a minoria da ponta estivesse munida de informações sobre a sua história, e acredito ser extremamente real o nosso papel como influenciadores nas redes em que atuamos ou naquelas que desenvolvemos.
Quando principalmente criadores de conteúdo negros e de regiões de favela chegam no tão desejado lugar de visibilidade de fala, é necessário lembrar que precisam ter um diálogo de cuidado para com os que neles se inspiram.
Que entendamos a responsabilidade com aqueles que veem em nós uma das únicas fontes de não desistir. É preciso que tenhamos mente, coração e olhos atentos para não reproduzirmos o mesmo repertório de tantos outros que insistem em não compreender, por exemplo, a nossa história de séculos de escravidão e contínua repressão – esse último ainda atual.
Aliás, ter público negro e participar de campanhas de cabelo cacheado ou crespo e levantar bandeira de diversidade não nos torna verdadeiramente conscientes de que as minorias precisam ser vistas, ouvidas e, acima de tudo, respeitadas.
Que estejamos atentos para que nossas referências e dos nossos não nos enquadrem em legendas onde “Sinhazinha” passa despercebida em pleno século XXI para milhões de influenciados. Principalmente, dentro da favela.