Apenas 8 das 27 unidades da federação divulgam dados sobre a raça dos mortos e dos doentes com Covid-19, segundo levantamento do consórcio de mídia que avaliou a transparência na divulgação dos números da doença pelas secretarias estaduais de Saúde. Foram analisados pontos como forma de divulgação (em portais e em redes sociais, por exemplo), disponibilidade dos dados em formato de tabelas, perfil das vítimas e informações sobre testes realizados.
Embora informações sobre sexo e idade das vítimas sejam publicadas por todos os estados, apenas Alagoas, Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Rondônia, Rio Grande do Sul e Paraná divulgam dados sobre a raça de quem foi contaminado ou morreu em razão do coronavírus.
Há diferenças no grau de transparência mesmo entre quem divulga os recortes raciais. Enquanto em Alagoas há gráficos com informações consolidadas nos boletins diários, o Espírito Santo traz uma grande tabela com especificações de cada vítima em vez de números agregados.
Uma portaria do Ministério da Saúde editada em 2017, no governo Michel Temer, tornou obrigatória a coleta de informações sobre raça/cor nos sistemas de informação pelos profissionais de saúde. Ainda assim, nem sempre o registro é feito. Segundo boletim epidemiológico da pasta, que traz informações consolidadas sobre a Covid-19 semanalmente, em cerca de 35% das internações e dos óbitos não há informações sobre a raça dos pacientes.
No fim de abril, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) emitiu nota em que ressalta a importância da divulgação de informações sobre a raça das vítimas do coronavírus para a formulação de políticas de combate à doença, “especialmente tendo em vista o perfil de extrema desigualdade racial existente no Brasil”.
É o mesmo que afirma Emanuelle Góes, doutora em saúde pública e pesquisadora da Fiocruz Bahia: “Desagregação por raça e cor tem a ver com pensar política de saúde com equidade e com superação das desigualdades. Na pandemia, isso se torna urgente. É importante observar quem são as pessoas por grupo racial e também por sexo e região para entender o perfil populacional das pessoas atingidas”, diz.
Ela afirma que há uma proporção maior de pessoas negras nos registros de mortes do que no de casos. Dados do Sistema de Vigilância da Síndrome Respiratória Aguda Grave mostram que, no Brasil, pretos e pardos são 61% dos mortos pela Covid-19 e 55% dos internados. Esses percentuais se referem apenas às situações em que a cor do paciente é informada.
“A população negra em geral está nas franjas das cidades, nas periferias, e periferia nao tem acesso a serviço de saúde, principalmente de média e alta complexidade, que é o que a Covid tem demandado”, afirma.
Ela diz também que o racismo institucional faz com que o atendimento recebido pelos negros no serviço de saúde seja de menor qualidade e leva muitos a resistir a procurar auxílio médico.
Para além da raça, o consórcio avaliou a divulgação de informações sobre testes de detecção da Covid-19. O baixo número de exames diagnósticos é um problema enfrentado pelo Brasil desde o início da pandemia.
Seis estados, incluindo São Paulo, não divulgam ou divulgam apenas parte do total de testes feitos.
Por outro lado, todos trazem dados sobre sexo e idade das vítimas e sobre números de casos e óbitos nos municípios.
Quanto ao estado das UTIs, apenas cinco não disponibilizam ao público as informações em seus portais ou boletins.
A transparência na divulgação dos números da Covid-19 tem sido monitorada por organizações como a Transparência Brasil Internacional e a Open Knowledge Brasil, que têm rankings próprios sobre o tema.
Fernanda Campagnucci, da Open Knowledge, diz que tem notado melhoras na divulgação, mas ainda há gargalos.
“Depois de 11 semanas de avaliação, identificamos uma expressiva melhora. Embora tenham melhorado, dados de ocupação de leitos e de capacidade de testagem seguem sendo gargalos —o que é grave, agora que os estados estão reabrindo suas atividades”, diz.
No início deste mês, o Ministério da Saúde ameaçou sonegar dados, atrasou boletins, retirou informações do ar, deixou de divulgar totais de casos e mortes e divulgou dados conflitantes.
Os números só voltaram a ser publicados na totalidade, após decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Em nota, as secretarias de São Paulo, Goiás e Rio de Janeiro afirmaram que não há obrigatoriedade no preenchimento e divulgação de dados sobre raça nos sistemas de registros da doença. Goiás complementou que tem “atuado junto aos municípios e instituições que notificam os casos que preencham as fichas com a maior quantidade de informações a que tiverem acesso.”
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que “o campo raça/cor é indicado como essencial no preenchimento das notificações de casos e óbitos da Covid-19 no Brasil pelas secretarias de Saúde”. Disse ainda que “estão sendo feitos ajustes para que essas informações sejam de preenchimento obrigatório” a partir desta semana.
Minas Gerais afirmou que considera disponibilizar a informação e que tem orientado os municípios nesse sentido. Mato Grosso do Sul também disse que possui as informações e que avalia incluí-las em uma plataforma ainda em construção.
Mato Grosso disse que “a nota informativa é padronizada por meio de um sistema que fornece estritamente as informações que constam no boletim”, e o Distrito Federal afirmou que não divulga informações pessoais das vítimas.
Sergipe disse que há problemas na qualidade dos dados sobre raça e que tem feito orientações às secretarias municipais para tentar contornar a questão. Roraima afirmou que “a utilização das variáveis pertinentes à análise epidemiológica, que são expostas no boletim, são aquelas disponibilizadas pelos sistemas de informações oficiais”.
As demais secretarias não responderam os questionamentos da reportagem sobre a inclusão de informações sobre raça ou cor das vítimas.