O racismo no Brasil é herança de história escravocrata, ou melhor, é herança da cultura europeia/ branca, povos estes que, em sua maioria, foram perversos com nossos corpos e mentes negros e deixem registro até hoje.
Esta semana uma irmã de vida, pessoa que admiro e amo muito, socializou o seu desespero numa rede social; relatava o quanto se sentia amedrontada com o tiroteio que ocorria naquele dia – sem esquecer que essa mesma cultura branca naturalizou tiroteio na favela – e o medo tinha a ver com perdas. A mesma desejava que nenhum jovem morresse, que nenhuma mãe morresse ou chorasse a morte de seus filhos, que não perdesse nenhum ente, enfim, que a favela não sangrasse novamente.
Neste mesmo relato de dor ela dizia que precisava conjugar a vida acadêmica, trabalho e vida pessoal e que tudo isso estava impossível de acontecer e manter-se saudável física, emocional e psicologicamente. Sim, é essa realidade de nós pretas e pretos que ousamos ocupar o mundo branco, pois não temos a paz do escritório/ biblioteca, não temos a tranquilidade de sermos mantidos por nossos parentes, de ir de férias para Europa.
Tal realidade é bem diferente da nossa, pois precisamos negociar no trabalho sair mais cedo e entrar mais cedo para assistir as aulas da maioria das pós-graduações que são de manhã e a tarde (quem tem esse tempo disponível???), trabalhar igual maluca, estudar nos finais de semana, não ter tempo para a família e amigos e ainda não poder ter a tranquilidade de chegar em casa, tomar um banho, fazer um chá, dividir o dia com o companheiro, relaxar e sentir-se humano.
Há 518 anos os ditos civilizados não nos deixam ter paz, não nos deixam ser feliz, não nos deixam nos amar, querem explorar, estuprar e matar nossos corpos e sonhos. Tentaram violentamente impedir de fazer poesia, música, constituir famílias, sermos felizes, mas para sua infelicidade somos resistência e só começamos a tomar o que é nosso e saibas não tem mais volta. Ela, eu e todos os pretos estaremos aonde quisermos, inclusive, nos mais altos cargos para sabermos o que é acordar sem saber se a polícia está em nossa porta matando, acordar sorrindo, não ter a preocupação se o mísero salário vai dar para fazer tudo o que precisamos (leia-se: comer bem e chegar junto com os nossos).
Para você branca e branco que acha que tudo isso é mimimi, experimente ser negro um dia apenas e entenderão que o mimimi sempre foi de vocês e que o incômodo é porque estamos impondo limites/ fim ao racismo que sempre nos direcionaram. Diariamente em minha mente só vem esta passagem da música do Racionais Mc’s: “Pode rir, ri mas não desacredita não, é só questão de tempo, o fim do sofrimento” (Vida Loka, parte II).