Segunda-feira, 5 de novembro de 2012.

São 21:30, olho no relógio para tentar calcular em quanto tempo saio da sala de aula na faculdade, na qual estou sentando resolvendo um exercício, até o ponto de ônibus da Estação Barra Funda, o qual me leva ao terminal mais próximo de casa: o Terminal da Vila Nova Cachoeirinha na Zona Norte de São Paulo.

Consigo sair num horário bom, dá tempo de pegar o ônibus que sai daqui quinze minutos, tempo suficiente de pegar o mesmo, geralmente cheio nesse horário.

Meu plano deu certo, e em dez minutos , embarquei rumo ao terminal cachoeirinha.

Durante o dia já havia conversado com uns amigos do trabalho, de que como foi possível a violência chegar a níveis tão elevados em São Paulo. Muita notícia de mortes, policiais e bandidos assassinados como características de execução. Casos de roubos seguidos de homicídios aumentaram mais de 70%.

Não imaginava, nesse momento o que estava acontecendo nas proximidades do Terminal.

Dois rapazes encapuzados invadiram um ônibus na Avenida Imirim, que é uma avenida próxima do Terminal Cachoeirinha. Eles mandaram os passageiros descerem para que eles pudessem atear fogo no ônibus.

Um dos rapazes foi tentar estacionar o ônibus no meio da pista e acabou atropelando e matando um senhor, essa foi a primeira morte da noite que ainda prometia muitas surpresas.

Nesse meio tempo, dois rapazes são assassinados na Brasilândia com características de execução. A morte deles gera indignação na população , que apedrejou mais um outro ônibus, ocasionando assim, interdição da Avenida Cantídio Sampaio, a Avenida que fornece acesso a todos os bairros de periferia da zona norte de São Paulo.

E eu sem saber de nada, dentro do ônibus sentido ao terminal, quase dormindo

Cheguei ao terminal Vila Nova Cachoeirinha por volta das 22:20, e percebo que o volume de pessoas está acima do normal para o horário.

Todos as paradas de ônibus com três, quatro filas para embarcar. Muita gente mesmo

Me dirigi ao ponto da lotação que pego, e fila estava gigante. Nunca vi tanta gente esperando aquele ônibus.

De repente, um comboio com trinta viaturas passam ao lado do terminal, em alta velocidade,  em direção a Avenida Cantídio Sampaio. Fortemente armados.

Pergunto ao fiscal da linha sobre o que acontecia, ele me explica que o PCC tinha dado o toque de recolher. E que nós só iríamos embarcar dali uma hora, pois como estava acontecendo um ataque, os intervalos entre as partidas das lotações seriam maiores.

Depois que soube de tudo o que estava acontecendo, liguei pra minha esposa, que já estava em casa, para avisar sobre o que acontecia. Coitada, ficou muito preocupada. E avisa que na rua de casa, que é o ponto final da bendita lotação, está tudo deserto e silencioso.

Tiros ao longe….. polícia correndo com a viatura, de repente um bombeiro sobe a Cantídio a uma velocidade extrema.

E todos nós , na fila da lotação, vendo de tudo. Preocupados, ansiosos…. o que virá a seguir?

Olho ao meu redor, penso na vida, em Deus, esposa, pais….em tudo.

Na fila ao meu lado está uma mulher grávida, de uns seis meses eu acho, com uma criança de dois anos no colo. Ambas choram pela vida que estava sofrendo essa interrupção imerecida, só queriam ir pra casa.

No meu outro lado uma senhora, de uns 70 anos, cega de um olho, me pede uma ajuda pra subir na lotação quando ela chegasse.  Respondi que sim, sem problemas.

E ela reclamou: “meu neto é do PCC, eles dizem que não prejudicam os moradores e nós somos os  prejudicados sempre.”  Só pude concordar.

Chegou a lotação, ajudei a senhora subir.

Um policial civil sobe na lotação para dar todas as instruções: lotação com os letreiros desligados, luz interna da van apagada, e a viatura nos escoltaria até um determinado ponto.

Nos levaram até um certo pedaço da Avenida Cantídio Sampaio. Vi de longe um ônibus quebrado, cheiro de queimado, vários policiais fortemente armados nas imediações.

A lotação fez um caminho que evitava esse trecho interditado. E alguns trechos estavam sem energia elétrica, todos nos escuro. E nós passando pelo meio disso…bem complicado.

Enfim, chegamos ao ponto final, que fica a 100 metros de casa.

Rua de periferia é sempre cheia, e barulhenta…. nesse dia…. nada de barulho, apenas o silêncio, nem cachorro …. nada , nada… nada…

Eu estava bem e seguro em casa, do fundo do meu quintal eu tenho uma vista mais ampla da Brasilândia e Jd . Carumbé.

Pensei em quem ainda estava vindo do trabalho ou da faculdade…. longa noite pela frente.

Terça-feira 6 de novembro, 05:30

Saio de casa no meu horário habitual para trabalhar. Olho pelo portão e vejo que o transporte público está funcionando.

Chego até o ponto, e percebo um número bem reduzido de pessoas que o habitual.

De repente, tiro? Não, não. Apenas uma Brasília velha que passa na esquina com seu escapamento estourado.

Mas a nossa reação apreensiva foi a mesma. Susto e medo. Mas tudo bem. Vida que segue.

Faculdade 22:00 hs

Converso com minha professora e explico que onde moro, é o núcleo da violência do dia anterior e que o toque de recolher ainda permanece.

Ela não se importa, e diz que se eu sair eu perco a nota do trabalha que estava fazendo….e Deus sabe o quanto preciso dessa nota.

Chego no terminal vila nova cachoeirinha às 23:30…

Minha lotação estava , supostamente, proibida pelo PCC, de sair do terminal. E eu moro no ponto final. Na mesma rua.

Não tinha o que fazer, peguei uma lotação que me deixasse o mais perto o possível de casa, na Parada de Taipas.

Atravessamos a Av. Cantídio Sampaio de ponta a ponta. Não avistei nenhuma viatura da polícia. E a Avenida estava deserta.

Chegamos até a parada de Taipas, nenhum ônibus subia até a Cohab, onde moro.

Meia noite, ruas desertas, sem policiamento….

Havia algumas pessoas que moravam na Cohab, e por conta disso decidimos ir a pé juntos, era o que poderia ser feito. Era a única opção.

Entramos em uma das vielas pra cortar caminho, e de repente ouvi um choro contido.

Fui  olhar perto de uma caçamba de construção, uma mulher grávida estava chorando escondida, pois não queria andar sozinha na rua…. que situação!!! O trauma sofrido foi grave. Ela estava absurdamente apavorada.

Eu a acalmei e subimos juntos, quarenta minutos a pé, até chegarmos em casa.

No escuro, sem nenhum policiamento. Nenhuma expressão de segurança. Nada, nada.

Pensei naqueles que ainda estavam no Terminal Cachoeirinha, que talvez conseguiriam ir pra casa.

Ou os que chegaram em casa, e durmiram três horas pra descansar, assim como eu, e foram trabalhar no dia seguinte.

Apenas mais um rapaz tentando vencer na vida, e em meio a tudo o  que nos rodeia, tentando achar uma razão plausível para que essa “guerra” continue acontecendo dia após dia.

E sinceramente, não sei a resposta.

O que fica marcado, e sempre será assim: a população sempre sofre, sempre paga a maior conta.

Que Deus nos ajude.