O Ocupa Lapa foi o fruto multicor de uma noite sombria – noite sombria que veio após uma tarde repleta de vivacidade. O movimento é fruto direto do 20 de junho de 2013 (a manifestação que levou 1 milhão de pessoas ao Centro da cidade): um dia infame na história do Rio de Janeiro. O dia em que o fascismo arreganhou os dentes em pleno eixo Presidente Vargas-Rio Branco.
Nós estávamos lá, participando do protesto. Lançamos no Facebook, o evento Protesta, Artista!, mobilizamos bastante através do grupo Reage, Artista e novamente vimos o poder de contágio da rede social. Junho nos re-potencializou. Ficamos surpresos quando vimos surgir 600, 700 pessoas. Marcamos o ponto de encontro na Praça XV, duas horas antes do início da manifestação. No gradil da estátua de D. Pedro II, estendemos os 8 metros de TNT (o tecido mais barato do mercado) para pintarmos a nossa faixa. No dia 17 de julho, havíamos feito o mesmo: em uma rápida conferencia criativa chegamos ao texto da faixa, que o Jaymes Rasta grafitou: “Somos a Rede Social” (Uma foto desta faixa foi utilizada na capa do mais recente livro do Manuel Castells). Na faixa do dia 20, escrevemos: “Indios __ X __ Cabral”. Descemos a Primeiro de Março cantando “Eu quero é botar meu bloco na rua”, e fizemos a entrada triunfal na Presidente Vargas, onde nos incorporamos à gigantesca mobilização. Em algum momento, por estar fotografando e filmando, me perdi do grupo e cheguei sozinho à Prefeitura, no exato momento em que a batalha começava.
Um pequeno tumulto deu início à barbárie generalizada que durou horas e horas. As imagens estão fixadas em minha retina: caveirões em fila avançando sobre a Av. Presidente Vargas, pelotões de homens de preto emborrachados brotando por todos os lados de moto, cavalo ou blazer. Em todas as esquinas, enfrentamento, gás de pimenta, bombas e agressões. Que horror presenciar tudo aquilo. Que desgosto. Aquela mesma multidão que filmei momentos antes, alegre, enfeitada – armada de cartolina, pilot e TNT do Saara -, cantando, debochada, é subitamente transformada em exército inimigo pelas forças do Estado. Nosso imposto resultou em martírio de bomba e gás. No dia seguinte, éramos nós os culpados para os grandes jornais. E os direitos foram sendo triturados no pátio da nossa casa a olhos vistos.
Um dia como esse não se ignora. Algo de muito grave ocorreu. A varredura promovida no eixo Presidente Vargas-Rio Branco culminou na Lapa. Aquele território de boemia, resistência e arte foi atacado. Era o Estado promovendo o medo através do terror. O ativismo redivivo da multidão sendo traumatizado pela brutalidade dos poderes mancomunados. Ficou claro que a democracia é um jogo que só funciona enquanto formos apáticos. A maquiagem pode ser revogada a qualquer momento.
Manuel Castells afirma que os movimentos sociais são, sobretudo, emocionais. Surgem porque, em algum momento, há um fato que provoca a indignação. O terror promovido no dia 20 de junho de 2013 inspirou o nascimento do Ocupa Lapa. Ali percebemos: precisamos ir para a rua. A cidade ficou absurda, insustentável. Silêncio e apatia serão castigados.
Os artistas movimentam-se na cidade
Para nós, artistas e ativistas da cultura do Rio de Janeiro, 2013 não começa em junho, mas em fevereiro, mês em que fomos às ruas protestar pela primeira vez. Em janeiro, o país foi abalado por uma tragédia: o incêndio na boate gaúcha que matou mais de 200 jovens. Grandes comoções geram, invariavelmente, demonstrações de ativismo governamental. No Rio de Janeiro, a coisa tomou uma dimensão que nos afetou. Em 01 de fevereiro, subitamente, 49 espaços culturais municipais foram fechados: teatros, lonas, bibliotecas. E então, de um post chegamos a um protesto, de um protesto nasce o movimento Reage, Artista!, que avança, ganha corpo e está nesta luta pela participação cidadã na formulação das políticas públicas de cultura no âmbito da cidade e do estado.
Estive envolvido com o movimento Reage, Artista! em sua origem. Foi um interessante despertar para a ação direta e para o que a mídia social tem de melhor enquanto ferramenta: o Facebook, para ser mais exato. Tudo começou com um post. Um post que reclamava enfaticamente do fechamento dos teatros e que foi sendo compartilhado por muitas e muitas pessoas. A adesão àquele post nos motivou a convocar a um protesto na porta da Prefeitura. Criamos um flyer, escrevemos um manifesto e lançamos. Em 24 horas, 2.000 compartilhamentos. No dia 6 de fevereiro, 300 artistas reuniram-se em frente ao Piranhão (a infame sede da Prefeitura carioca). Essa passagem da rede social ao protesto é reveladora e potente: do virtual ao presencial super potente e coletivo, aglutinador, gerador de encontros, que redundaram em ações e reflexões continuas, articulações que envolveram outros movimentos, centenas de pessoas, diversas linguagens, poder público.
2013 foi um ano singular. Potente e assustador. Potente pela emergência do novo e assustador pela brutalidade do velho. A importância da cobrança coletiva: elevou-se um monstro súbito da multidão banana. No Rio, virou uma tsunami. A oligarquia da hora foi abalada. A arte da luta urbana desarmada coletiva exigente, pressão pra melhorar a desenvoltura da performance do Estado, tosco, apropriado por poucos grupos. 2013 me alertou, direcionou e me enfiou, subitamente, num campo de luta intensa, viva de aprendizado e percurso, cognitivo e social.
E 2016? Bom, errrh… Vocês viram que eu tentei mudar de assunto…