Conforme observou a Coordenadora da Associação Favela É Isso Aí, Clarice Libânio, no jornal O Globo de 22 de Outubro de 2010, o poder público precisa tratar os reassentamentos de forma mais respeitosa e mais ligada à cultura, aos valores, modos de vida e particularidades de cada favela do país.
O artigo pareceu um eco dos murmúrios de diversas pessoas de cada uma das comunidades ameaçadas de remoção no Rio de Janeiro. Moradores de 20, 30 anos, muitas vezes construíram suas casas tijolo por tijolo, e mantém na vizinhança um estilo de vida muito diferente da vida do asfalto.
Libanio também ressalta a importância de um grande levantamento de dados e de indicadores sociais dentro das favelas do país. Talvez este seja um bom começo para entender que culturas diversas e muito ricas às vezes só sobrevivem se forem preservadas.
Favela do Metrô – Da Zona Norte para a Oeste
Há cerca de 30 anos, trabalhadores da construção do metrô linha 2 mudaram-se para casas de madeira na Rua São Francisco Xavier. Com o término das obras, muitos abandonaram o local. As casas vazias atraíram alguns sem teto da cidade e nascia assim a Favela do Metrô.
Hoje, uma grande comunidade ocupa o lugar, entre residências e cerca de 100 comércios variados, desde bares e lanchonetes até salão de beleza. Dali pro Estádio do Maracanã é um pulo. Nas redondezas encontra-se todo tipo de infraestrutura, como escolas, postos de saúde, hospitais, supermercados, universidades e até shopping center.
A boa localização é um dos motivos para dona Maria de Lourdes não querer sair do lugar. Mas não é o único. Ela mora ali há 25 anos, com seus seis filhos, hoje vizinhos, todos casados e com filhos. Quando chegou só encontrou mato, ajudou o marido na construção da nova casa, ajudou a aterrar a área com outros moradores e, enfim, sente-se parte do lugar.
No último dia 25 de Setembro, Maria de Lourdes foi visitar o local para onde querem mandá-los: um residencial no bairro de Cosmo, zona oeste do Rio, uma hora de trem da Favela do Metrô. Achou o apartamento muito novo e bonitinho, mas também muito pequeno e distante, sem infraestrutura nas redondezas. Mesmo assim, não acredita que sua vontade poderá prevalecer.
Ela pensa nos netos que estudam ali perto. No genro, que trabalha ali perto. Pensa em sua história naquela região e conta tudo como quem tem arrancado de si um bem indispensável: sua história de vida. Nas manifestações de resistência, empunha um cartaz que ela mesma confeccionou: Diga não para Cosmo! Prefeito, respeite a nossa vontade, queremos morar perto!
Para Valdeir a remoção é questão de tempo, afinal, são dois eventos muito importantes que vão acontecer muito próximos dali, no Maracanã: Olimpíadas, em 2012 e Copa do Mundo, em 2014. Mas ele também não quer sair. Além do pequeno comércio que ajuda a manter na São Francisco Xavier, trabalha como porteiro de um prédio da região.
José Antônio, outro morador que não quer sair, também pensa na situação dos comerciantes, que perderiam sua atual moradia – substituídas por estes apartamentos de 2 quartos em Cosmo – e também seu meio de sobrevivência. Dos 120 comércios que José Antônio conta na Favela, nenhum deverá ser indenizado: Além de estarem trabalhando, estão dando emprego pra outros, não é justo tirar esse pessoal daqui sem indenizar, afirma.
Os moradores realizam constantes reuniões e manifestações, juntaram-se às outras comunidades ameaçadas, ao Conselho Popular, Pastoral das Favelas e, com o apoio do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública, seguem sua luta.
O princípio maior a ser observado na defesa de sua causa é a Lei Orgânica do Município, que prevê que nos casos de remoção a prefeitura deve buscar uma área próxima da atual residência das famílias para evitar perdas de cunho social, profissional e afetivo. São princípios de direito que valorizam todos os homens, garantindo igualdade àqueles com condições de vida tão diferentes. No entanto, entre a lei e sua aplicação, existem diversas interpretações que confundem e atrasam a vida, principalmente, daqueles que não compreendem toda a complexidade do mundo jurídico.