RESENHA – Literatura de Peri, Periferia – Maria Vilani

Maria Vilani. (Foto: Felipe Gabriel).

A poesia filosófica de uma questionadora da vida

Atenção, releia a frase em itálico acima, não passe por ela rapidamente, como por um clichê: o ato de questionar a vida é muito, muito sério. Releu? Com calma? Pensou a respeito? Então vamos lá.

A poetisa que esta série de resenhas sobre literatura da periferia apresenta agora usa as palavras para filosofar, um dos trabalhos mais nobres da literatura. Se não é a característica principal do conjunto da obra de Maria Vilani, é a do livro de poesias Penteando a Vida, título evidentemente poético-filosófico.

A coletânea lançada em 2016 reúne poemas escritos ao longo de quase 30 anos, desde o final dos anos 80. Maria Vilani nasceu bem antes, em 1950, no Ceará, mas, como milhões de humanos seres que despencaram para o Sudeste em busca de vida melhor, ela veio parar no Grajaú, na capital paulista.

Entre vários escritos paridos em meio à luta cotidiana, também deu vida a vários filhos, um deles, ou dois, talvez você conheça: o rapper Criolo e sua irmã, a também poetisa Cleane, infelizmente vítima fatal da pandemia de coronavírus.

Como dissemos, o principal impulso poético da mãe dos poemas de Penteando a Vida não é a estetização abstrata, a preocupação com as rimas, contra as quais não temos nada, aliás. É que Maria Vilani pensa, logo existe, para parafrasearmos um filósofo que ela certamente conhece, Descartes.

Entre seus temas recorrentes estão tópicos típicos da filosofia, como as relações entre razão e emoção, a racionalidade, a realidade, e, claro, os processos mentais. “Pensamentos são projeções ficcionais”.

Insistamos no tema da “vida”, palavra entre as mais citadas. Ela está relacionada ao efêmero, ao sexo, à morte, ao cansaço, enfim, à existência, em inúmeros quadrantes e desdobramentos.

Os pensares poéticos de Maria Vilani inevitavelmente chegam às cogitações sobre a linguagem em suas limitações para representar a realidade. Por isso ela pergunta, entre tantas questões essenciais, “o que sou além da minha míope representação?”.

Como não poderia deixar de ser – até porque é traço fundamental da produção literária periférica – lemos poéticas da experiência, inevitavelmente carregada de memórias, um “lembrar que conduz ao pensar”.

Chama a atenção o registro preciso da data e hora em que os poemas foram finalizados. Significa, imagino, permanência – o registro temporal indica o passado da produção que deve estar sempre presente?

Maria Vilani sabe que a vida passa, mas não quer perder seus melhores momentos, nem os piores. A coletânea serve então como um diário ao qual voltamos para constatar o pouco de efêmero e o muito do palpável. A vida é uma luta corpo a corpo, ela deve ter ensinado aos filhos, dizendo o tempo todo “estou aqui”.

Em passagem emblemática, ela pergunta – lembrando que as perguntas, muito mais do que as respostas, caracterizam a Filosofia – se, diante do desânimo, “devo erguer-lhe a um altar? Conduzi-lo num andor, em procissão? Não. Não tenho esse direito, o meu dever é lutar”.

E o nosso dever, qual seria? Se depender de Maria Vilani, você já sabe a resposta.

Ouça no Spotify o 13º episódio do podcast Literatura de Peri, Periferia, com poemas da coletânea tratada nesta resenha, Penteando a Vida, de Maria Vilani.

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