Mudanças na legislação permitem que adolescentes submetidos a medidas socioeducativas recebam do Estado o mesmo tipo de tratamento de presos
Em 30 de setembro de 2020, foi sancionada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 33/19, dando origem à Emenda Constitucional nº 76/2020, que transfere o Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase) da Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) para o rol da Segurança Pública. Segundo o deputado Max Lemos, autor da proposta, o objetivo é proporcionar aos servidores do Degase o mesmo tratamento de policiais penais.
Apesar da PEC 33/19 ter sido apoiada pelo Sind-Degase, organizações como o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ) e o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro (Cedeca-RJ) alertam para a inconstitucionalidade da medida e a possibilidade de perda de recursos de programas e ações governamentais destinados ao Degase. Segundo o MP-RJ, ao desvincular-se da Seeduc, o Degase perderá recursos oriundos de impostos e transferências obrigatórias destinadas à educação, evidenciando o distanciamento da instituição com o compromisso educacional de jovens em conflito com a lei.
Em outubro, o MP-RJ entrou com uma representação judicial para tentar derrubar a emenda constitucional, alegando, entre outros pontos, que “ao acolher o Degase como órgão de segurança, a emenda constitucional nº 76/2020 passa a admitir que adolescentes submetidos a medidas socioeducativas recebam do Estado o mesmo tipo de tratamento dispensado a presos, fato que, além de refletir absoluto descompasso com a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, é mostra de claro e inaceitável retrocesso jurídico”, diz um trecho da representação.
A emenda nº 76/2020 é apenas mais uma medida dentro do conjunto de retrocessos que vem ocorrendo nos últimos anos no âmbito da socioeducação no Rio de Janeiro. Em 2008, por exemplo, foi aprovado o decreto estadual nº 41.553/08 que permite o uso de sprays e outras armas não letais para a “contenção e segurança” dos jovens nas unidades de socioeducação. Em 2017, foi aprovada a lei nº 7.694/17 que modificou a nomenclatura dos agentes socioeducativos para agentes de segurança socioeducativa. Em 2019, foi aprovado o Projeto de Lei estadual nº 1.825/2016, autorizando o porte de armas letais pelos agentes de segurança socioeducativa do Degase.
O Boletim de Segurança e Cidadania, publicado em julho de 2020, afirma que “as instalações do Degase reproduzem uma rotina muito similar à prisional, fazendo unidades socioeducativas funcionarem como verdadeiros ‘presídios juvenis’ ou, ainda, ‘presídios com nome de escola’”.
A emenda 76/2020 é mais um elemento que contrapõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e os compromissos humanitários firmados pelo Estado brasileiro. O processo de militarização da socioeducação no Rio de Janeiro afeta diretamente os jovens que cumprem medidas de restrição ou privação de liberdade, marcando a passagem pelo Degase pela repressão e não pela reinserção na sociedade através de medidas socioeducativas, o que deveria ser a função principal da instituição.
Matéria originalmente publicada no jornal A Voz da Favela de janeiro/2021.
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