O Rio de Janeiro sofre drasticamente as consequências da crise econômica, política e institucional do país. O governo do estado perdeu o controle. Estamos sob intervenção federal. A crise econômica colocou milhares no desemprego, só a cidade do Rio perdeu no último ano 55 mil postos de trabalho, 3 vezes mais que a capital paulista no mesmo período. Na indústria naval em Niterói e São Gonçalo, são 12 mil trabalhadores desempregados. Os índices de violência disparam e a juventude enfrenta violência, medo e desesperança. Se o bairro de Jardim Catarina, em São Gonçalo, fosse um país, teria taxa de homicídio per capita mais alta que a da Síria.
Mas a tragédia do Rio de Janeiro não é nova, e há muito vem sendo construída e anunciada. Embora tenha experimentado na última década e meia um importante ciclo de crescimento e desenvolvimento, com as grandes oportunidades que se abriram em nível internacional, especialmente na indústria do petróleo, e o fortalecimento de uma política de estímulo e valorização do conteúdo nacional, os problemas do Rio de Janeiro são estruturais, e em grande medida estão relacionados com a forma que o estado surge como unidade política e administrativa.
Com a ida capital do país para Brasília, a cidade do Rio perdeu de uma hora pra outra sua centralidade política e econômica na vida brasileira. O estado da Guanabara, já sem o status de Distrito Federal, passou a cobiçar a casa do vizinho do lado, o antigo estado do Rio, que tinha a sua capital em Niterói, e reunia todo o interior e região metropolitana do atual estado do Rio de Janeiro. Concentrando o filé mignon da elite brasileira em seu território, e com o suporte do regime militar, a Guanabara avança sobre o antigo estado do Rio, em um processo que ficou conhecido como fusão, mas cujas características são de anexação. Apesar do novo estado que surgiu da fusão ser Rio de Janeiro no nome, quem mandava nele, e manda até hoje, é a Guanabara.
A fusão concentrou todas as vantagens na capital carioca, e espalhou as desvantagens pelo resto do estado. Um acordo entre 2 partes onde só uma delas ganhou. Investimentos, infra-estrutura, serviços públicos, produção de conhecimento, indústria cultural, imprensa ficavam na Guanabara, enquanto os problemas iam se acumulando no interior. Sem planejamento, identificação de potencialidades, diversificação da atividade econômica, incentivo à permanência nas áreas rurais e pequenas cidades, o interior passou a ostentar indicadores sociais e econômicos equivalentes às regiões pobres do sertão nordestino. A região metropolitana por sua vez sofreu com a explosão demográfica e o crescimento desordenado, improvisado e carente de infra-estrutura.
A correlação de forças políticas no estado seguiu também a mesma lógica. Enfraquecidas com a fusão, as oligarquias locais das diferentes regiões do estado construíram seus acordos bilaterais com a elite política concentrada na capital, e montou-se a rede de corrupção e clientelismo que vai de Chagas Freitas a Moreira Franco, de Cabral a Pezão, de Picciani a Eduardo Cunha, cuja expressão mais flagrante é o comando da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, controlada há décadas pela coalizão de interesses formada por estes e outros personagens e que ficou conhecida como o “partido da ALERJ”.
Enfrentar a crise atual do estado do Rio significa olhar para estes problemas históricos, exige soluções estruturantes e estratégias de longo prazo. É necessário um novo modelo de desenvolvimento do estado, que rompa o ciclo vicioso da concentração dos investimentos e da arrecadação na capital do estado. Ao mesmo tempo, qualquer saída para o Rio não tem como estar descolada da questão nacional, na medida em que o incentivo aos setores estratégicos da economia, ciência e tecnologia, educação, cultura e muitos outros, dependem de uma ação em sinergia com um projeto de desenvolvimento autônomo e soberano para o país. Tudo isso estará em jogo nas próximas semanas, nas eleições gerais de 2018, a mais incerta e complexa desde a redemocratização do Brasil.