O Brasil foi e é o país mais segregracionista do mundo. Por que isso? Porque oficialmente, durante 388 anos, houve um sistema escravocrata, instituído pelo Estado brasileiro, do seu “Descobrimento,” até a Lei Aúrea. Este considerava seres humanos negros e negras, não como seres humanos, mas como mercadoria.
O Estado brasileiro criou estatutos, leis, os quais proibiram que esses seres humanos participassem da vida pública, do sistema educacional oficial. Basta uma busca rápida para achar leis como o decreto Lei Nº 1331A de 1854, conhecida como reformas Couto Ferraz, que proibia os negros e negras de estudarem oficialmente. Ou a que proibia deles entrarem em espaços públicos, sem o seu dono, – importante frisar, seu DONO, proprietário, branco. Caso isso acontecesse, o policial, ou capitão-do-mato prõximo perceberia este(a) longe de seu trabalho, e poderia prendê-lo e conduzí-lo a seu propietário. Ou matá-lo(a).
Pode-se perceber o quanto isso influenciou a sociedade brasileira, mesmo depois de tantos anos, em 2013, quando aconteceram arrastões no Rio de Janeiro. E agora com os “Rolê de Shopping”, em São Paulo. Novamente, o Estado brasileiro, aquele mais segregador do que a África do Sul, estabeleceu leis, liminares, para bem demarcar o espaço a que cada raça e classe pode participar.
A praia carioca e o shoping paulista, como espaços de integração social é um mito. Ao contrário do que dizem, esses espaços como ambiente de lazer – e de trabalho! – sempre foram bastante demarcados, com evidentes ritos de delimitação social. Cada um no seu quadrado, dizia a música. A classe média, branca, e a dita “nova classe média”, são separadas. Os novos Capitães do Mato, de uniforme oficial de PM, ou de paletó surrado de segurança de shopping, fazem essa separação de forma eficiente.
A pesquisadora Mariana Vedder nos traz uma referência importante: “A segregação teve início ainda no período colonial, mas foi introduzida como política oficial. A nova legislação dividia os habitantes em grupos raciais, segregando as áreas residenciais, muitas vezes através de remoções forçadas. A partir de finais da década de 1970, os negros foram privados de sua cidadania. Nessa altura, o governo já havia segregado a saúde, a educação e outros serviços públicos, fornecendo aos negros serviços inferiores aos dos brancos.” Trecho editado do verbete de “Apartheid” na Wikipédia, mas parece um relato de 2014.
Agora como manter tal sistema de segregação, divisão e exploração? Finge-se, mascara-se, para que não haja uma explosão. E dá-se o nome a essa farsa de “Democracia Racial”. Um belo discurso do dominador, que diz que “somos todos iguais perante a Lei”. Que todos têm oportunidade,perante a Lei”. Mas quando há um rompimento dos acordos não ditos, do “você ai no seu quadrado, fazendo a faxina, fritando o hambúrguer do meu filho”, rapidamente cai a máscara. Mostrando quem é quem, seja através de liminares e cassetetes de pm’s nas praias do Rio de Janeiro, seja dos vigilantes de shoping em São Paulo.
Os Advogados Ativistas, em sua página numa rede social, lembram que vários shoppings obtiveram na Justiça liminares que proíbem “rolezinhos” em suas dependências. Gostaria de saber a base legal para tal decisão judicial. Só se há alguma lei nova que proíbe jovens pobres de frequentar shoppings de ricos. Se essas liminares não forem ilegais, são a legalização do preconceito, portanto imorais. As mesmas armas e truculência usada nas ruas em 2013 contra os manifestantes agora bombardeiam menores de idade e a garotada da periferia que “não sabe o seu lugar” deixando claro que “ultrapassaram a faixa amarela” que os tolerava fazendo a faxina, atendendo, vendendo nas lojas, mas nunca como frequentadores e clientes do shopping. Um Apartheid insustentável vendido como comodidade para o consumidor branco de classe media se sentir “seguro” e “especial”!
Qual é o fundamento de um Juiz de Direito para suprimir garantias e direitos fundamentais em detrimento de um pedido discriminatório? Alienação social?
De qualquer forma trata-se da judicialização do racismo. Certo é que se fossem ricos seria um flash mob, ultra cool. Mas como são pobres, o Juiz não só proibiu a entrada, como arbitrou uma multa absurda”. Enquanto alguns jovens pobres do rolê marcam uma ostentação triunfal no Shopping mais caro do Brasil, esqueceram-se que lá os negros são somente babás, faxineiras e seguranças.
Diante de uma tentativa de pleno pertencimento ao mundo capitalista, os jovens querem sair do grupo de acesso para sambar no grupo especial. Porém, não os avisaram que neste rolê não rola samba. Assim disse a justiça. O problema é que a dita Justiça concedeu o pedido ao Shopping JK, autorizando, dentre outras coisas, a placa na porta, amedrontando quem pudesse ousar invadir uma classe social que não admite sua existência.
Essa decisão é o estabelecimento legal de um apartheid social, retratando um espaço que possibilita a entrada de cachorros, mas não de pobres, senão em condição de serviçal. até o momento, pelo que sei, não houve prova alguma de que os garotos tenham estado drogados. Ora, o que fizeram esses jovens em seu inocente divertimento (que é ao mesmo tempo um profundo protesto)? Violaram o templo sagrado da única e verdadeira religião do capitalismo: a religião do comércio e do consumo; praticaram a mais terrível blasfêmia ao pisotearem com seus tênis coloridos o que há de mais puro e celestial para a classe média paulistana: as tardes de domingo no shopping.
A reação da Casa Grande diante da mobilidade urbana e do direito de ir e vir da juventude popular brasileira é assustadora. A juventude negra e periférica não é bem vinda nos espaços de consumo da classe media branca? O Estado de exceção e a violência contra os pobres nas favelas terá uma igualmente vergonhosa policia de comportamento como foi a repressão ao funk? Estes reproduzem hoje o que os capoeiras e sambistas faziam no Rio de Janeiro por volta de 1910.
Como disse o professor Ademar Lourenço: “O fenômeno pode ser uma estupidez de adolescente. Mas afinal, adolescentes brancos e bem vestidos são estúpidos o tempo todo e nem por isso são espancados pela polícia como foram os participantes dos últimos “rolezinhos”. E olha que pelo menos ninguém no rolezinho nunca queimou uma pessoa na rua, como os playboys gostam de fazer de vem em quando.
Maximiano Laureano da Silva