Rumo ao sul do mundo, na trilha da Cultura Viva

Escrevo essas mal traçadas linhas no aeroporto do Galeão, portão de embarque do voo 1293 das Aerolíneas Argentinas que, com algum atraso, me leva a Buenos Aires. A capital argentina é o ponto de partida para uma viagem de 10 dias por quatro cidades e dois países – vou também ao Uruguai. Nas próximas duas semanas, as aventuras deste rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco nem parentes importantes, serão o tema desta conversa com “a meia dúzia” de leitores fiéis que tenho aqui no portal da ANF.

Não sei viajar de férias. Gosto mesmo é de viajar a trabalho, para encontros, intercâmbios, reuniões, projetos. A ideia de “viajar de férias” para não fazer nada, ficar na praia, de papo pro ar, pensando na vida, me soa monótona, entediante. É um defeito, eu sei. Crianças e papais, não façam isso com as férias de vocês. Juro que já tentei fazer diferente. Mas, quando me dou conta, já estou marcando alguma visita a um parceiro, um almoço de trabalho, uma reunião etc. Férias, pra mim, é poder ficar em casa, aí, sim, sem fazer nada. Viajar é, para mim, atividade intensa, esporte de alto rendimento. Portanto, apesar de começar na véspera de um feriadão, esta não é uma viagem de férias, nem de descanso. Na Argentina, não existe feriado de 07 de setembro.

E qual o motivo desta viagem, já deve estar se perguntando o leitor? São vários! Estou indo assinar o contrato para a tradução e publicação em espanhol do meu livro Cultura Viva Comunitária: Políticas Culturais no Brasil e na América Latina, lançado este ano pela ANF Produções. Vai sair em parceria pela RGC Ediciones, um pequeno editorial argentino dedicado a temas de gestão cultural, que já traduziu e publicou em espanhol nomes como Marilena Chauí, Célio Turino, Albino Rubim, Rodrigo Savazoni… E eu, agora, que passo a fazer parte deste seleto time! Se publicar no Brasil já é difícil (e, no meu caso, se não fosse pela parceria do André Fernandes e do dream team da ANF, isso não teria sido possível), ter a sua obra traduzida é algo extraordinário.

De fato, o tema do livro tem despertado o interesse de pesquisadores, gestores, militantes culturais e demais agentes das áreas de gestão e políticas culturais no Brasil e na América Latina. Na Argentina, participo de debate e lanço o livro na Universidade de Córdoba, a primeira do país e uma das mais antigas do continente. Eu me reúno com a equipe do Ministério da Cultura argentino, responsável pelo gestão do programa nacional de Puntos de Cultura. É interessante observar que, na Argentina, mesmo com a eleição de Macri e a mudança de orientação política do governo, o programa não só se manteve como foi ampliado e qualificado. Sem dúvida, é uma vitória da sociedade civil, que se organizou para sustentar e defender a manutenção e ampliação do programa. Sí, se puede!

Nas próximas duas semanas, participo ainda de encontros nacionais de Cultura Viva Comunitária da Argentina e do Uruguai como debatedor e palestrante, mas, especialmente, como um observador-participante, atento e interessado. É muito bacana perceber que uma política cultural surgida no Brasil, mesmo com as dificuldades e retrocessos enfrentados em nosso país, tem inspirado e animado políticas públicas e processos de organização da sociedade e do setor cultural em diversos países, cidades e realidades latino-americanas. Aprender com cada processo, seus impasses, dificuldades, avanços e possibilidades nos ajuda a identificar o destino comum que nos une aos países de nossa região do mundo, a “pátria grande” do sonho de Simón Bolívar: a América Latina.

Estou curioso sobre a situação política da Argentina na era Macri, especialmente depois das eleições primárias e a vitória apertada de Cristina Kirchner sobre o candidato do governo na província de Buenos Aires. Quero olhar a programação dos teatros e as estantes das livrarias da Avenida Corrientes, passar por alguma manifestação política – programa diário em Buenos Aires, se tiver tempo, ver as novidades do sempre ótimo cinema argentino, que não chegam por aqui, tomar bons vinhos e comer bife de chorizo, pois ninguém é de ferro, visitar o Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires (Malba), promessa que me faço todas as vezes que vou a Buenos Aires e que, dessa vez, espero cumprir… E, por fim, arrumar tempo entre uma correria e outra para, nas duas próximas colunas, dividir por aqui relatos e impressões desta viagem. Bienvenidos!