A entrevista dominical do ministro Luiz Henrique Mandetta soou como provocação no entender da cúpula militar que o sustenta no governo. Vista como “provocação desnecessária” a declaração do ministro de que o brasileiro não sabe se escuta ele ou o presidente, fala-se abertamente em Brasília que ele será forçado a se demitir, a realização do sonho de Bolsonaro e da turma da cloroquina e do isolamento vertical.
“Cúpula militar” é a expressão usada na capital para definir quem manda no governo, composta pelo alto comando do exército, o Estado Maior das Forças Armadas e outros altos graduados, nenhum civil, ainda que vistam ternos que mais refletem seu conservadorismo do que substituem as fardas. Esses senhores se movem nas sombras do poder, reúnem-se longe dos olhos da imprensa, não falam em nome do grupo e sua ação se traduz, geralmente, em mudanças imperceptíveis aos olhos do povaréu na planície.
A avaliação de que o ministro desprezou o esforço do núcleo militar para manter-se no cargo e que se interessa mais pela imagem pública para se candidatar ao governo de Mato Grosso do Sul em 2022 foi motivo de queixas a Bolsonaro nesta segunda-feira, 13, e hoje a artilharia pesada está voltada exclusivamente para Mandetta. Mais uma vez está patente a ojeriza militar ao exercício da política como forma de chegar ao poder.
Resistirá? Dificilmente, mesmo com apoio dos dois presidentes Davi Alcolumbre, do Senado, e Rodrigo Maia, da Câmara, ambos do mesmo DEM do ministro. No momento é seu respaldo mais consistente, porque a comunidade científica nacional e internacional de pouco ou nada valem nas decisões do governo com fortes inclinações militares autoritárias. Afinal, o país se lembra ainda do filhote do Bolsonaro, Eduardo, afirmando que bastava um jipe com um soldado e um cabo para fechar o Congresso.
Pode não ser a pura expressão da verdade, mas não está muito distante dela, como temos visto ao longo da crise do Covid19. Na tarde desta segunda, Bolsonaro participou ao lado do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, de videoconferência com os responsáveis pelos dez comandos que discutem ações de combate ao coronavírus. O presidente deixou o ministério sem falar com a imprensa.
Posturas como esta remetem o país ao tempo da ditadura militar, em que até o vocabulário usado na mídia refletia o jargão da caserna. Ninguém é ingênuo a ponto de desconhecer a origem e a vocação militarista de Bolsonaro. Percebe-se, desde antes da posse, que se sente à vontade entre os seus pares muito mais, aliás, do que se sentia nos 28 anos de deputado federal em Brasília.
Mas o que pesa mais na queda de braço desigual entre Mandetta e o presidente é o enfrentamento à pandemia, uma jogada arriscada para os dois lados, ainda que o ministro se apoie no comportamento dos governos e organismos internacionais. Bolsonaro cisma em desobedecer, dar o mau exemplo e incitar a população a fazer o mesmo. Aposta todas as fichas na cloroquina questionada em todo o mundo por sua eficácia e pelos danosos efeitos colaterais, entre eles a cegueira.
O exército acaba de produzir 2,2 milhões de comprimidos do medicamento ao custo de 20 centavos por unidade, e promete aumentar em um milhão a produção semanal, seguindo determinação presidencial. Se dará certo, ninguém sabe, como é comum no governo, mas uma coisa é certa: se o remédio for mesmo uma droga e não matar o coronavírus, podemos nos tornar o país onde a distopia de Saramago “Ensaio sobre a cegueira” se torne, afinal, realidade.