Eis um país que não está no retrato e nem no enredo da dignidade. Esses oito meninos conseguiram furar o bloqueio no final do desfile magistral da Unidos da Tijuca, e estavam todos sambando e cantando como dezenas de foliões, incluindo eu. Quando de repente, vi vários grupos de foliões se afastando. E, sem nenhuma explicação, dois seguranças se aproximaram deles e começaram a empurrá-los para fora do cortejo.
Eu, logo me aproximei dos seguranças e disse que eles estavam comigo, e que era para deixar o moleques sobre a minha disponibilidade.
– Quem são eles? Qual o nome de cada um? – perguntou um exaltado segurança.
– Eles são meus alunos numa escola de música. O nome de cada um? Pedro, Paulo, João, Marcelo, Antônio, Marcos, Sandro e Manoel. E meu nome é Caio Ferraz. – disse e saí sambando com os meninos.
– Tio, tu é malucão, mandou uma letra pro segurança sem conhecer a gente. De onde você tirou esses nomes? Aqui não tem ninguém com esses nomes. – sorrindo me disse um deles quando estávamos chegando próximo a dispersão.
– Tio, tu é maneiro pra caramba, ajudou a gente a realizar o sonho de desfilar na Sapucaí. – entusiasmado complementou o mais alegre da turma.
– Olhem bem pra mim. Eu tenho cara de otário? Não, né? Pois é, eu sou nascido e criado na favela de Vigário Geral e sempre tive o sonho de um dia desfilar aqui. Sabe como eu consegui? Estudando muito. Hoje realizei dois sonhos, estou aqui desfilando no meio de gente que sempre me viu como marginal e ainda estou realizando o sonho de ajudar vocês a sambar na cara dessa sociedade racista.
– Caraca, maluco, o tio é pica. Aí tio, tirou onda com a cara de todo mundo. Posso tirar uma foto com você? – pediu-me um deles.
– Qual é meu parceiro, eu que quero tirar uma foto contigo.
Logo se juntaram os 8 meninos. Felizes, fizeram pose para a foto. Enfim, uma foto que coloca eles no retrato. E eu me senti emoldurado por tudo aquilo que aprendi a bradar na vida: sou favelado, abram alas que eu quero passar.
Passamos! E no final um deles me pediu um “qualquer” para fazer um lanche. Eu disse que daria o “qualquer” se eles me abraçassem. Ganhei um caloroso e fraterno abraço. Chorei! Chorei porque sonhei que um dia eu serei mestre-sala, mas eu não sabia que realizaria meu sonho sendo mestre de cerimônia de jovens que, como eu, só queriam realizar a fantasia de desfilar no templo maior do samba.
Claro que eu jamais iria negar, até porque “hoje a Tijuca pede em oração, veste a fantasia pra fazer o bem, multiplica o sagrado pão, amém (amém).”
Parei com eles na saída da dispersão e dei 100 reais para eles forrarem o estômago. Uma mulher que veio acompanhado tudo de perto, ao ver a cena, me perguntou: – E se eles forem comprar droga?
– Querida, droga é o que este povo que está aqui tem na cabeça ao olhar para meninos negros e achar que eles são ladrões e viciados.
Caio Ferraz
poeta, sociólogo e colunista da Agência de Notícias das Favelas
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