Toda quarta-feira, artistas das periferias e favelas do Rio de Janeiro participam do Sarau Boto Fé, que ocupa a varanda da Fundição Progresso. Já passam da sétima edição por ali e já realizaram mais 30 na Escadaria Taylor da Glória. Tem arte de todo tipo: performances, poesias, músicas, curtas, danças, rap, funk…
Na penúltima edição, entre pintoras, rapper, poetas e cantores, o destaque ficou para a artista homenageada da noite, Tertuliana Lustosa, que é escritora de Salvador. Nascida no interior do Piauí, ela trabalha com performance, literatura e poesia de cordel, além de ser professora de artes no PreparaNem, coletivo de inserção de pessoas travestis e transexuais nas universidades e na sociedade. Atualmente, Tertuliana mora no Rio de Janeiro e está expondo seus cordéis Sertransneja junto com o Coletivo Xica Manicongo na Galeria Despina. Também foram destaque o grupo de dança de rua Grupo Hey Gonzales, que levantou a galera com funk.
Uma das marcas do Sarau Boto Fé é ser um palco preparado para receber iniciantes e encorajá-los. Naquela noite, era a primeira vez de Clayton, que veio da Vila Kennedy, subia para cantar na Fundição Progresso. “Sou conhecido como Freitas, que é meu sobrenome”, me contou ele, que é integrante do grupo Catapulta, faz rap e escreve poesia. Também vinha da Zona Oeste Gaby, produtora da equipe Rua da Poesia, que registra em audiovisual o trabalho de mulheres de periferias. “Eu vim aqui porque foram lá na Z.O. Quando alguém vai lá, a gente faz questão de prestigiar seu trabalho!”, explicou.
Como a produção é coletiva, o financiamento do evento acontece através da venda das publicações dos artistas e do chapéu. Um dos responsáveis pela venda dos fanzines é Joel Galvão, que participa desde os primeiros encontros na Escadaria Taylor: “Ninguém lançou a gente, não estamos nas grandes bibliotecas, mas não é por isso que a gente não tem palco para mostrar”.
É esse sentimento de pertencimento que atrai cada vez mais gente. “Sarau Boto Fé é isso, acreditar no que está guardado, naquilo que você acha que não vale a pena, que você acha que não deve acreditar. É só trazer pra cá que a gente bota fé e faz acontecer”, resume o poeta Daniel Rolim. Para o também poeta e produtor Paulo Sergio, o sarau é um foco de resistência: “Eles estão ocupando trazendo o espírito da rua, aguerrido, esse espírito de Exu da rua. Aqui você vai ver aquela galera do rap da Zona Norte, da Zona Oeste, da perifa. Isso é muito legal”.