Vera Malaguti Batista
Numa espécie de comemoração macabra do golpe de 1964, o Jornal O Globo publicou uma série de reportagens contra seu velho alvo, o trabalhismo rebelde e invencível de Leonel Brizola. Como sempre, lançam-se suspeitas, criminalizam-se e espertamente, em letras miúdas: nada se investigou, nada se comprovou… Só mais um atentando àquela memória.
O pequeno editorial que fechou o ciclo de injúrias, já na véspera da celebração da derrubada de Jango, chegava às suas conclusões: Brizola, ao defender os pobres dos históricos abusos de poder, era responsabilizado pelo caos urbano e pela desordem. A palavra baderna sempre me remeteu aos dias do começo da ditadura. A velha direita brasileira sempre associou o protagonismo do povo brasileiro ao caos e à desordem.
O neoliberalismo no Brasil ultrapassou o ciclo de objetivos da ditadura: entrega do patrimônio público à sanha do mercado, destruição das redes coletivas de proteção social e um gigantesco processo de criminalização, encarceramento e extermínio dos pobres. Embora em crise mundial, o paradigma neoliberal mantém no Rio de Janeiro seu principal bastião; por isso é tão importante desmoralizar Brizola, mesmo depois de morto.
Enquanto Governador e Prefeito engatam uma viagem internacional atrás da outra, em busca dos grandes negócios, inclusive esportivos (quem já se esqueceu da Chacina do Pan?), seus obtusos assessores se encarregam dos choques de ordem: ações sempre covardes sobre as demonizadas estratégias de sobrevivência dos pobres, do comércio varejista de drogas a seus empreendimentos imobiliários. O importante, sempre, é associar a pobreza à desordem e manter o aplauso do pessoal da Camde, aquelas senhoras de classe média que, com Lacerda, clamaram pela ditadura.
É por isso que a velha pauta volta à palavra do dia: remoções, extermínios, rapas, tudo aquilo que vai consolidar a imagem da pobreza à uma sujeira que deve ser combatida “energicamente”. Os muros cercando as favelas parecem ser o gran finale: um consenso entre a Camde e os verdes do Posto 9. O emparedamento dos indesejáveis tem várias recorrências trágicas na história do Ocidente, desde o primeiro gueto na Europa. Nos dias de hoje, estão aí os muros da fronteira México/EUA e o cercamento dos palestinos em sua própria terra. Saudades de Leonel Brizola.