Cada vez mais presentes nas cidades, as motos se tornaram uma opção viável de mobilidade para pessoas que vivem em lugares onde o acesso por veículos maiores é mais difícil. O transporte de passageiros em motocicletas contribuiu para o crescimento da frota em todo o país. O aumento na circulação somado a condições inadequadas expõem condutores e passageiros a riscos que, por vezes, passam despercebidos.
O trabalho noturno faz com que Heloísa Nascimento, 28 anos, precise utilizar o serviço. Ela trabalha como garçonete em um bar em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, e, pelo menos três vezes por semana, precisa se locomover durante a madrugada. “Eu preciso pegar dois ônibus para voltar pra casa. O primeiro demora bastante, mas eu consigo pegar. O segundo acaba às 22h, então não tem como”, explica. “O que eu faço é soltar do primeiro ônibus e tentar pegar um mototáxi já mais próximo de casa. Às vezes não tem. Nesses casos, eu preciso tentar um carro mesmo”.
Heloísa mora na Coroa, favela localizada na região Central do Rio. O fluxo de motos no local é grande e, por vezes, sem o uso do capacete. Quando os deslocamentos acontecem dentro da comunidade, a utilização do item de segurança costuma ser dispensada. No entanto, quando as distâncias percorridas são maiores e as viagens têm início em bairros vizinhos, o capacete costuma ser oferecido. “Aqui dentro não costumo usar tanto, mas quando eu pego a moto em lugares mais distantes sim. Nem sempre eu pego aqui na subida do morro”, conta.
Segundo estimativa do Sindicato dos Taxistas do Rio de Janeiro, há pelo menos 100 mil mototaxistas na capital. Para o professor Ronaldo Balassiano, do Programa de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o serviço poderia cumprir um papel importante, garantindo atendimento às áreas de difícil acesso. Porém, é preciso maior rigor no estabelecimento de protocolos de segurança e fiscalização visando proteger passageiros e condutores.
“O que me preocupa, é que a moto, operando dentro do sistema de transporte, precisa estar obedecendo a legislação. Ou seja, o condutor precisa respeitar as faixas, regras de ultrapassagem, velocidade média das vias e ter os equipamentos de proteção, do capacete a capa. Esse serviço pode ter esse papel de alimentar os sistemas de maior capacidade, mas, desde que obedeça às regras de trânsito e que os riscos ao passageiro sejam diminuídos”, avalia Balassiano.
A integração do serviço ao funcionamento do transporte público é possível, segundo Balassiano, mas é necessário reconhecer seu papel. “A característica do mototáxi é fazer ligação para áreas que não têm nenhum meio de transporte. Então, ele não vai competir, ele vai acrescentar mobilidade. Essas linhas ou rotas precisam ser bem definidas, o poder público precisa ter atenção nisso”, defende o especialista.
No Brasil, o mototáxi foi regulamentado como transporte em 2010 pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que reservou a administração municipal a tarefa de regular e fiscalizar o serviço. Apenas nove anos depois a cidade do Rio definiu normas para a operação do modal. O decreto estabeleceu algumas diretrizes para formação dos condutores e para o uso de equipamentos de segurança, além de prever a organização dos pontos de parada e dos territórios que deveriam ser atendidos. Porém, sem fiscalização efetiva, pouca coisa mudou após a regulamentação do serviço.
Mais motos nas cidades e riscos no trânsito
O crescimento da frota de motocicletas no país mais do que dobrou entre 2007 e 2019. As regiões Norte e Nordeste registraram um aumento superior a 200%, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O estudo, publicado em setembro deste ano, sugere que a expansão da frota pode ter sido impulsionada pela carência de outras opções de transporte. Ou seja, a moto passou a ser vista como solução frente às dificuldades de mobilidade.
Em Rio Branco, capital do Acre, os longos intervalos e a pouca oferta de ônibus incentivam o uso do transporte alternativo. O cenário piorou com a chegada da Covid-19. “Em alguns bairros o ônibus nem voltou a rodar ainda, então as pessoas têm que vir até o terminal rodoviário e de lá fazer o restante do trajeto a pé ou com transporte alternativo”, explica Erle Martins, de 26 anos.
Trabalhando como cuidadora de idoso, Erle convive com pessoas do grupo de risco da Covid-19, além dela própria ser também. Por isso, tem evitado o transporte público, que desde o início da pandemia tem rodado ainda mais cheio do que antes. “Eu estou evitando condução para proteger a mim e as pessoas ao redor”, conta. O trajeto de casa até o trabalho, custeado pelos patrões, é percorrido de mototáxi. O uso da moto e de outros modais alternativos, que já era comum, se tornou diário.
O aumento na circulação das motos nas cidades, a má qualidade das vias e falhas na formação dos condutores são alguns dos fatores relacionados aos acidentes de trânsito envolvendo motocicletas. A pesquisa do Ipea aponta que esse rápido crescimento da frota não foi acompanhado por políticas que garantam a obrigatoriedade de itens de segurança e fiscalização, resultando em um aumento no número de mortes. De acordo com a pesquisa, desde de 2009 as motos passaram a liderar os indicadores de acidentes fatais no trânsito.
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