Irece – Bahia – Ocupantes já têm escola, água e luz

Os moradores chegaram a fazer vários protestos nas ruas e na frente da prefeitura, juntamente com os representantes do Campo Étnico, reivindicando uma reunião com o prefeito Zé das Virgens para falar sobre o assunto. Todas as tentativas foram frustradas.
18:10:33 de 11/03/2009
 
 
 

Vila Casa Nova

 

Ocupantes já têm escola, água e luz

 

O movimento Campo Étnico, que assessorou a ocupação das 103 unidades habitacionais da Vila, está transformando uma das casas ocupadas em escola. Também fez ‘gatos de energia elétrica’ e conseguiu água da Embasa para os moradores através da Tarifa Social

 

RONALDO DAVID

 

As famílias que ocuparam a unidades habitacionais da antiga Vila Nobelino Dourado, hoje Vila Casa Nova, já estão usufruindo de energia elétrica e água potável fornecida pela Embasa através da Tarifa Social. Os coordenadores do Campo Étnico, movimento que assessorou a ocupação, instalou também energia elétrica nas casas. Eles reconhecem que a instalação é clandestina e aguardam a presença da Coelba para regularizar a situação.

 

O movimento está transformando uma das casas populares em escola para atender crianças e adultos da Vila. João César Barbosa da Hora, popular João Da Hora, um dos membros do Campo Étnico, diz que a escola receberá o nome de Raul das Virgens, pai do prefeito de Irecê, Zé das Virgens.

 

“Acreditamos que ele (Zé das Virgens), não terá coragem de mandar derrubar uma escola que leva o próprio nome do pai.”, disse. Segundo ele, a escola vai funcionar com duas professoras do próprio bairro, atendendo as mais de 100 crianças daquela localidade.

 

Sobre os ‘gatos de energia’ puxados de postes paras as casas, ele conta que está aguardando a Coelba para tirar o bairro da clandestinidade. “Ninguém aqui quer viver com gato de luz, todo mundo quer pagar sua conta como qualquer cidadão comum”, assinalou. A Vila Casa Nova está situada logo depois do Bairro Loteamento Félix, a quase cinco quilômetros do centro da cidade.

 

A INVASÃO DAS CASAS, ou ocupação, como define o Campo Étnico, aconteceu durante a folia carnavelesca da noite do dia 20 de fevereiro, quando famílias de diversos bairros da cidade se reuniram e adentraram nas 103 unidades habitacionais. Várias casas da Vila Liberdade também foram ocupadas.

 

Os moradores chegaram a fazer vários protestos nas ruas e na frente da prefeitura, juntamente com os representantes do Campo Étnico, reivindicando uma reunião com o prefeito Zé das Virgens para falar sobre o assunto. Todas as tentativas foram frustradas. “Quero saber por que ele não quis ouvir a gente, será que nós não somos nada? Isso é um desrespeito, nós também somos gente”, indagou uma manifestante.

 

De acordo com Danilo Moura, um dos líderes do Campo Étnico, 85% das famílias que ocuparam as casas estão há tempos, de alguma forma, com seus nomes cadastrados na prefeitura para receber o benefício. “Todos estavam precisando de um teto para morar e, diante da grande demora na entrega dessas casas, resolveram fazer a ocupação, mobilizados pelo sentimento de revolta”, disse.

 

CAMPO ÉTNICO POPULAR – “É um agrupamento político de assessoria e fomento do movimento social, que defende movimentos como os dos quilombolas, indígenas, sem-tetos e oturos. “Esse movimento já está criando raízes aqui na região”, explica Danilo Moura.

 

 

 

 

 

 

Moradores satisfeitos com a nova moradia

Luciana Souza de Carvalho, 14 anos, fez parte do grupo dos ocupantes das casas. Ela conta que está satisfeita com a nova moradia e que, apesar de não está devidamente cadastrada, vai lutar para conseguir a propriedade legal da casa. “Vim pra cá com meu esposo e meu filho de cinco meses. A gente tava morando na casa de minha sogra e queria um lugar só nosso, então resolvemos vim pra cá. Estou gostando bastante daqui e vou brigar um bocado para continuar aqui”, avisou.

 

A morada mais idosa da Vila, a aposentada Ermínia Fernandes, de 59 anos, comemora a nova moradia. “Eu tava morando de aluguel no Morro do Urubu pagando 120 reais. Desde que eu tô aqui está sendo um alivio porque não tô mais pagando aluguel, estamos até vivendo melhor”, comemora.

 

 

“Casas foram usadas para assegurar resultado eleitoral”

O Movimento Campo Étnico garante que as casas foram usadas como moeda eleitoral nas últimas eleições. “Temos provas cabais de que realmente essas casas foram usadas de maneira eleitoreira, para assegurar um resultado eleitoral”, declarou Danilo Moura.

 

Ele acrescenta que “trata-se também de um processo histórico de manutenção de um grupo político há mais de oito anos”, ressaltando que “basta ver que em apenas oito anos foram construídas algo próximo de 400 casas para cerca de 3 mil cadastrados, o que deixa claro e evidente uma especulação eleitoral”.

 

Moura questiona ainda as reuniões que ocorreram na Igreja, cujo pastor e proprietário do templo é o vice-prefeito de Irecê Paulo Freire. “Nós sabemos que Paulo Freire é o vice do atual governo. O movimento quer saber por que as reuniões com os futuros donos das casas aconteceram lá. A prefeitura não teria condições de arrumar outro local como a Câmara ou um ginásio? Tinha que ser num local que tem simbolismo político?”, indagou Danilo, finalizando: “O processo para o recebimento das casas se deu em cima do processo eleitoral e dentro de mecanismos duvidosos”.

 

Advogados discutem o assunto

 

O procurador do município de Irecê, o advogado Edivaldo Araújo, e Marcílio Rosa, advogado do Campo Étnico, fizeram acaloradas discussões em torno do assunto. Edivaldo considerou o ato criminoso e garantiu que o que aconteceu foi uma invasão. Ele disse ainda que espera punição às pessoas que praticaram ato de vandalismo durante a invasão, quebrando portas, janelas, fechaduras e furtos de materiais das construtoras responsáveis pelas obras.

 

Marcílio Rosa, por sua vez, disse que a ‘ocupação’ das casas foi constitucional, legal e legítima. “Isso por diversos fatores: primeiro porque são famílias em situação de risco, que vivem abaixo da linha da pobreza e que às vezes não têm nem o que comer. Segundo porque são famílias que já haviam sido contempladas com as casas durante sorteio realizado em anos anteriores pelo próprio poder público”.

 

Em resposta ao ato de vandalismo citado por Edivaldo Araújo, o advogado do movimento resumiu: “Se esses materiais foram retirados de lá, não foram pelos moradores, mas sim pelas construtoras temos provas ”, e finalizou: “As famílias ocuparam aquilo que eram delas”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Erício é vaiado na Câmara e manifestantes

não conseguem desabafar

 

 

O vereador Erício Batista, ex-secretário da Ação Social de Irecê, foi um dos vereadores mais vaiados durante sessão tumultuada e marcada pela gritaria, ocorrida na semana passada, quando cerca de 400 pessoas lotaram a Câmara para cobrar dos vereadores uma posição sobre a ocupação das casas, sob o argumento de que muitos vereadores u
tilizaram as unidades habita
cionais como moeda de troca de voto no período eleitoral para eleger Zé das Virgens a prefeito de Irecê.

 

A bancada do prefeito na Câmara ficou surpresa com grande quantidade de manifestantes na câmara, e por diversas vezes recebeu chuvas intensas de vaias quando tocava no assunto. Os únicos vereadores que se colocaram a favor dos manifestantes foram Daé e Henrique Sobral, que fazem oposição na câmara.

 

O coordenador do Campo Étnico Popular, João Da Hora, chegou a solicitar espaço para falar sobre o assunto, mas o presidente da Casa, o vereador Tertuliano Leal Libório (Tertinhou), não permitiu, alegando que o ofício de solicitação tinha chegado tarde, prometendo abrir espaço para os manifestantes na sessão da próxima segunda-feira (16).

 

“O presidente parecia nervoso, pois o mesmo também é acusado de utilizar as casas como moeda de troca de votos na eleição de 2008. “O povo ainda espera um pronunciamento do prefeito, que vem se escondendo sem querer tocar no assunto, alegando que é um movimento político”, disse João Da Hora.

 

De acordo com o Campo Étnico, foram cadastradas 4 mil pessoas, sendo que neste ano o governo só teria 300 casas prontas para entregar. “Foi aí que estourou todo o processo de revolta dos cadastrados e não cadastrados, que foram vítimas de promessas eleitoreiras”, diz um e-mail do movimento enviado à redação da Folha da Bahia, assinado por João Da Hora, Cláudio do Modelo e Danilo Moura.

 

No e-mail, o movimento relata ainda que: “O processo de ilusão foi tão bem armado, que os coordenadores do campo Étnico têm como prova vários convites para uma reunião realizada no dia 5 de agosto de 2008, em plena efervescência política, na igreja de Paulo Freire, atual vice-prefeito de Irecê, para tratar do assunto das casas populares”.

FONTE: folha da bahia