Na selva de pedra, garimpeiros urbanos expõem objetos raros e inusitados. Nos tradicionais bairros da Lapa, Glória e o Catete, o chamado Shopping-Chão, tendas vendendo todo tipo de objeto, faz parte do cartão postal. De obras de arte, utensílios eróticos, eletrodomésticos, vestuário e sapataria, tudo pode aparecer no Shopping-Chão. Não à toa, é objeto de estudo de muitos jornalistas, pesquisadores e cineastas.
Esse é com certeza o brechó mais democrático que existe. Com preço popular e ainda aceitando ofertas, só não compra quem não quer! Parte de meu material audiovisual veio de lá. Entre cases e tripés usados, sempre aparece um objeto que pode servir bem em qualquer mise-en-scene, como os telefones vermelhos e roupas para figurino.
Tem gente que não compra nada, apenas tira fotos. Meu amigo Mirandes, morador do Morro dos Prazeres vende disco raros e já foi convidado a expor suas relíquias na PUC-Rio. Alunos de jornalismo se impressionaram com homem de meia idade com tanta experiência de vida e cultura musical vendendo clássicos da música brasileira e mundial em discos de vinil, expostos no chão, apenas protegidos por uma colcha – sem o vazio do glamour e da gourmetização que nos são empurrados goela abaixo pela mídia.
Quando vejo um aparelho eletrônico no Shopping-Chão, lembro de toda a propaganda de seu lançamento, do valor exorbitante que lhe era posto. Agora, ali no chão, seu significado muda. Serve apenas para seu fim original. O celular será usado para ligar e não para ostentar uma condição social, por exemplo.
Estou esperando acabar o campeonato brasileiro para comprar a camisa oficial do fluminense. Sou tricolor, mas não sou playboy, então, aproveito a liquidação do Shopping-Chão, torcendo para que não venha furada de brasa de cigarro. Quero que tenha minha própria marca. Uma camisa que custaria R$ 200,00 pode custar R$ 20,00.
Na sociedade do descarte, onde tudo é provisório e as relações interpessoais são cada vez mais rasas, sem carinho, sem preocupação com o próximo, jogamos no lixo muitas coisas e significados. Graças aos garimpeiros urbanos, objetos descartados por uma família são reaproveitados por outras. Os garimpeiros do Shopping-chão não fazem parte da linha de produção da indústria poluidora. Evitam que os produtos sejam levados para lixões e rios e ou destruídos para o aproveitamento da matéria-prima. Eles recolocam o produto usado de volta na vitrine e reiniciam o ciclo de vida do produto.
O Shopping-Chão pode representar cidadãos que vivem à margem da sociedade, garimpando o que para alguns é lixo, mas que para eles é riqueza. É fonte de orgulho depois de um dia de coleta para ter o que vender e assim sobreviver por mais um dia na selva de pedra.