O leitor atento que passar os olhos nas colunas e nos blogs políticos datados deste segundo dia de 2023 pensará que os jornalistas titulares foram substituídos, tamanha distância entre o que habitualmente escrevem e defendem nas rodas de resenha da Globo News e outras e a visão que revelaram depois da posse de Lula.
O termo mais empregado deve ter sido “simbologia”, cujo ponto máximo foi a passagem da faixa presidencial pela catadora Aline Souza, que estava acompanhada de seis representantes da sociedade brasileira, onde se destacavam o cacique nonagenário Raoni e o influencer potiguar Ivan Baron, de 24 anos, líder da luta pela inclusão social de deficientes.
Ele vestia algo parecido com um terno claro trabalhado em tinta escura e um grito contra a exclusão dos deficientes pintado às costas. O “terno” foi criado para a ocasião pela dupla Victor Hugo Soulivier e a designer, artista plástica e cantora Juli Silvaju, do projeto brasiliense Tela Ambulante. No grupo dos sete representantes da sociedade, Ivan e Raoni eram os dois que caracterizaram símbolos sociais brasileiros óbvios na rampa do Palácio do Planalto.
Os comentaristas, aliás, foram unânimes em registrar a excelente oportunidade proporcionada por Jair Bolsonaro ao não passar a faixa ao sucessor – bem como a ideia brilhante de Janja, a nova primeira-dama e autora da iniciativa. No campo da análise política, fora as simbologias, algumas reflexões merecem também a nossa reflexão:
Lauro Jardim: “O avanço, ao menos de propósitos, é inegável. Mas não basta. Na vida real, o buraco é mais embaixo. O próprio discurso de Lula no parlatório dá uma pista disso.Já no terço final de sua fala, o presidente disse que “é hora de voltar a cuidar do Brasil e (…) baratear o preço dos alimentos”.
Vera Magalhães: “A posse teve outro ponto positivo: ao fugir do país de maneira canhestra e propiciar essa posse impecável, Bolsonaro queimou boa parte do capital político para promover o caos e manter a radicalização de seus apoiadores.”
Míriam Leitão: “Nesse ponto da sua vida política, o ápice de uma longa trajetória, o presidente Lula aumentou o tamanho do desafio. Prometeu combater a fome e a pobreza, mas também convocou toda a sociedade brasileira para derrotar a desigualdade, aquela que “separa os brasileiros em grupos que não se reconhecem”. Ele ressaltou, em lágrimas, imagens dessa velha chaga brasileira como o “a fila dos ossos e a fila pelos helicópteros e jatinhos”.
Merval Pereira: “Apesar da referência permanente à unidade, tendo ressaltado várias vezes que a disputa eleitoral acabou, e que não existem dois países, Lula não contemporizou com Bolsonaro, embora não o tenha citado nenhuma vez pelo nome. Chamou de “genocídio” a morte de quase 700 mil brasileiros durante a pandemia de Covid-19 e prometeu punição severa para o responsável, leia-se Bolsonaro. Diante de tal prognóstico sombrio, e também depois do pronunciamento do ex-vice-presidente Hamilton Mourão, que o acusou, também sem citar, de, com seu silêncio, ter levado o país ao caos e as Forças Armadas a levarem a culpa, Bolsonaro deve ampliar sua permanência na Disney. O povo na praça gritando “sem anistia” completa o quadro sombrio.”
Para destacar ainda mais a simbologia da posse, não se pode esquecer o cão “Resistência”, o oitavo e não humano passageiro a Brasília, que acompanhou o período de prisão de Lula em Curitiba na Lava Jato. E já que o assunto é simbologia, que tal o novo casal que dirige o Brasil, Lula e Janja? Não tenho notícia de nada semelhante no mundo – é mais ou menos como Pelé, símbolo internacional do futebol.