Na última quinta-feira, 25/02, completamos um ano de pandemia do novo coronavírus no Brasil, com um total de 250 mil mortes desde então. É certo que quando você lê este texto o número é outro, ele não para de aumentar, graças ao governo. Numa hipótese astuciosa, se a doença tivesse começado no primeiro dia de Bolsonaro e se estendesse pelos quatro anos de mandato teríamos um milhão de vítimas fatais no último dia de 2022. Receio que seria o suficiente para a reeleição, ou alguém aí no auditório acredita nas boas intenções do poder público federal brasileiro em relação à pandemia? Você não conta, Dudu, nem você, Flavinho, podem abaixar o braço.
Ao mesmo tempo em que opta por agressões brutas ao ambiente, condenadas em todo o mundo, o Brasil adere ao modelo de eliminação das populações “indesejáveis” que ganhou impulso nos megaeventos esportivos iniciados tempos atrás com a realização dos Jogos Panamericanos no Rio de Janeiro. Começou ali o processo de gentrificação da cidade, Unidades de Polícia Pacificadora, Cidade Olímpica, Transcarioca, Porto Maravilha, todas responsáveis por remoção forçada de populações de favelas, vilas, bairros inteiros em nome da modernização urbanística que acarretou valorização imobiliária.
Esta mesma experiência tinha sido vivida pela cidade no início do século passado, com o prefeito Pereira Passos e a política do “bota abaixo” que “limpou” extensas áreas do centro do Rio na onda da higienização urbana contra a varíola e a febre amarela, quando a vacina foi declarada obrigatória – vejam vocês como o mundo dá voltas! Hoje temos o povo clamando pela vacina contra o coronavírus e o governo negando o perigo e empurrando cloroquina goela abaixo dos incautos e otários. A título de ilustração, na virada dos séculos 19 e 20 a capital brasileira era considerada uma das mais insalubres cidades portuárias do mundo. Navios mercantes a evitavam por causa das péssimas condições sanitárias. Quando Pereira Passos foi nomeado prefeito do Distrito Federal o Rio tinha a alcunha de “cidade da morte”. Depois da reurbanização e de Oswaldo Cruz, já em 1909 o escritor e jornalista Coelho Neto rebatizou o Rio de Janeiro “cidade maravilhosa”, nome que ainda ostenta, apesar dos políticos e administradores que a dilapidam até hoje. Quem sabe o Brasil de 2021 também deixará de ser o “país da morte” para ser o “país maravilhoso”?
Passado o breve intervalo histórico, voltemos à pandemia de hoje, que vitima todo o país onde o município do Rio de Janeiro tem destaque como o de maior número de mortos, mais até do que São Paulo, que tem quase o dobro da população. No último dia quatro de fevereiro o Rio registrou 17.535 mortos e São Paulo 17.523. Estima-se que as subnotificações aumentem em 50% o total de mortos pelo novo coronavírus, o que amplia o total de mortos no país para 325 mil pessoas e deveria ser um alerta a mais para as autoridades sanitárias até agora alheias às formas de combater o mal, adotadas em todo o mundo, a começar pelo uso obrigatório da máscara de proteção, tão elementar quanto lavar as mãos.
Da maneira como a pandemia é tratada no Brasil, não causa espanto que seja considerado o país que pior a combate e se prestarmos atenção no comportamento e nas providências das autoridades constataremos a falta de empenho que não se fia no negacionismo puro e simples como denuncia a política de genocídio da parcela da população mais vulnerável à infecção – pobres, idosos, negros, indígenas – os “dispensáveis”. O que ocorre e já foi dito em muitos fóruns pelo mundo é a deliberada higienização social do país através da morte premeditada por falta de assistência do estado.
“É bom que as mortes se concentrem entre os idosos. Isso melhorará nosso desempenho econômico”, chegou a afirmar Solange Vieira, então assessora do ministro da Economia, quando o país somava pouco mais de 23 mil mortes pelo coronavírus. O presidente Jair Bolsonaro jamais respeitou a opinião científica sobre a pandemia; ao contrário, desafiou-a seguidamente e continua a desafiá-la sempre que minimiza números, informações e deturpa dados comprovados, divulgados pela mídia. Esta, por sua vez, contribui quase nada divulgando números de infectados, mortos e recuperados e, ultimamente, de vacinados, sem assumir posição crítica sobre os números reportados diariamente.
Na semana passada todos noticiaram que o embaixador argentino em Brasília foi a Buenos Aires vacinar-se fora da fila. A Casa Rosada admitiu que existe uma lista de personalidades estratégicas para o país, vacinadas por interesse do estado – entre elas o embaixador neste país pária para onde ninguém quer vir. Isso a imprensa não observou, como tampouco procurou saber quantos brasileiros brancos e bem situados já se vacinaram por conta própria, entre os quais com certeza as vacas sagradas do jornalismo. Não lhes parece sintomática a imunidade natural de Bolsonaro, seus filhos, presidentes de empresas e jornalistas, todos levando vida em aglomeração, enquanto a pandemia avança? No Brasil, a doença atinge a todos sem distinção, de determinado patamar para baixo.
Imagens de vacinas desembarcadas nos aeroportos se repetem na tela da televisão sem que se quantifique cada total em relação à demanda urgente da população. Não há sequer uma campanha midiática de alerta contra as aglomerações, mas apenas o registro de praias e festas a cada fim de semana. É preciso repetir campanhas incansáveis como a que derrubou Dilma. A imprensa age como se não tivesse nada a ver com o cenário que veicula em suas páginas e seus vídeos. São todos cúmplices no grande projeto de higienização da sociedade, o surrado projeto de acabar com a pobreza matando pela polícia ou deixando morrer pelo abandono o negro e indígena e o pobre, que nunca, jamais, em tempo algum da nossa história foram considerados gente brasileira. O pior é que todas as previsões científicas são de que o quadro vai se agravar muito.