Por Jose Luiz Lima www.comunidades.rj.sebrae.com.br/blog/jose

Por onde entrar e com quem falar nas favelas que estão no processo de pacificação? Digo processo porque o “Mundo de Alice” não é a realidade destas favelas. O ideal desejado com esta política de segurança ainda está longe de ser o ponto de equilíbrio entre o ontem e o hoje. O que tenho visto e ouvido dos moradores revela que ainda estamos no início de um estreito e longo caminho para o futuro. Mas que bom que começamos a andar!

Os fatos e as evidências nos ajudam a pensar sobre a situação atual. Em todas as favelas existem as subáreas ou comunidades, são as divisões internas que são marcadas por um limite geográfico, ou na maioria das vezes por uma fronteira simbólica que carrega um valor de identidade para cada local, que separa as partes colocando marcas que precisamos entender para não complicar ainda mais o processo. Numa determinada favela, eu pensei em juntar a turma da parte baixa com a turma da parte alta de duas comunidades. Uma liderança local chamou minha atenção: “Zé Luiz, não vai rolar! Vamos fazer uma palestra aqui embaixo e outra lá em cima, aqui os jovens não gostam de transitar de uma comunidade para outra”.

A identificação das fronteiras simbólicas é fundamental para quem pretende trabalhar nas favelas em processo de pacificação. Um primeiro passo é saber quem é quem na teia social da favela e qual é sua opinião sobre a pacificação. Digo isso porque as sobras e sombras permanecem pairando sobre o ambiente das favelas e não podemos ser “Alice no país das maravilhas”. Neste contexto as lideranças locais estão aprendendo a lidar com esta nova situação de ter em suas comunidades um novo ator social, as UPPs representando o poder do estado. Porém, em uma comunidade que visitei, o comandante comentou comigo: ”uma menina parou aqui na porta e me perguntou, o senhor é novo dono do morro? A impressão que se tem é que foi uma simples substituição de poder, mas a favela continua tendo um dono: agora é o capitão da UPP e seus soldados.

A presença das UPPs mexe no arranjo social, pois a lei e a ordem passam a fazer parte do cotidiano das favelas pacificadas, retirando dos grupos armados o poder ilegal determinante do que pode ou não pode ser nas favelas. No entanto, a teia de relações internas não se desfez totalmente, pois as três décadas de poder de alguns grupos armados instituíram uma cultura que atravessa a vida nas favelas de tal forma que alguns pontos desta teia permanecem enrugados. Imaginem que numa família um filho é bacana, mas o outro não é tão bacana assim. Um amigo do peito, camarada de infância é da situação. E agora para onde meu camarada vai? Será que ele vai achar que seus amigos bacanas vão formar com a UPP?

Um dos pontos enrugados nesta teia é a associação de moradores, que carregam o estigma de associação com o crime. É isso mesmo? Quem conhece a história desta instituição sabe a importância que teve e tem as associações para cada uma das favelas que elas representam. Se a associação da associação com o crime fosse tão automática como algumas pessoas pensam e outros dizem. Como explicar a sentença punitiva que muitos lideres comunitários receberam dos chefes locais, por não concordarem com as leis impostas de forma arbitrária? O jornal O Globo publicou extenso material sobre a ditadura do tráfico e das milícias nas favelas, vale a pena uma leitura. Minha tese é de fortalecimento e legitimação destas instituições e de suas lideranças. Qualificá-las para este novo cenário e desafios. A chegada das regras republicanas nestes territórios deve promover a inclusão dos atores locais, para que todos possam se sentir participantes deste processo de transformação.

Outro ponto enrugado é o dos jovens, principalmente, para aqueles que nasceram nesta dura realidade de convivo diário com um poder autoritário que mandava ou ainda manda na favela onde mora. Quando estes jovens chegam ao asfalto se vêem em outro universo de relações regidas pela democracia e seu aparato legal. No mínimo estes jovens têm uma dupla identidade, e seus processos de escolhas nestes dois mundos são regidos por matrizes de valores bem diferentes, mas ele precisa se adaptar aos dois universos para sobreviver.

Ouvi de um jovem em uma das comunidades que visitei: “e se tudo isso for passageiro e acabar em 2016?” É uma encruzilhada. Este jovem queria ir até a UPP para saber o que tem lá. Mas a policia sempre foi vista com um dos inimigos, ou esta era a representação que se fazia da policia. Nesta mesma comunidade conversei com um grupo de jovens que não sabiam o que fazer com a diminuição da atividade do tráfico. Alguns ganhavam dinheiro fazendo pequenos serviços nesta cadeia produtiva ilegal. A incerteza era o sentimento geral, pois nenhum deles estava estudando e nem sabiam fazer “nada”. As sobras e sombras para estes jovens não deixam dúvidas de que algo emergencial precisa ser feito.

Não será a Unidade de Policia Pacificadora que irá resolver o acúmulo de problemas sociais existentes nestas favelas. Também não será um programa único, pacote fechado com uma bula que irá resolver as diferentes situações e diferentes demandas locais. Sem conhecer cada favela e sua realidade, corremos o risco de aplicar o remédio certo no paciente errado. Vou repetir o que já venho falando a alguns anos: educação de qualidade, água e saneamento básico, regras claras para construção e apoio financeiro da CEF para construção, legalização das propriedades existentes, principalmente de moradias e comércio, serviços públicos de qualidade e com regularidade, atribuições claras e com metas para cada ator social que queira atuar nestes territórios.

A favela tem mais de 100 anos, o tráfico de drogas surgiu nas favelas no início da década de 1980, as facções começaram a se organizar e dividir territórios no inicio dos anos de 1990. São muitos nãos de abandono e discriminação. Se esta política tem o objetivo verdadeiro de mudar a realidade destas favelas e de seus moradores, precisamos então de ações planejadas e articuladas entre as três dimensões da sociedade: sociedade civil, iniciativa privada e o poder público. O voluntarismo por si só é bacana, mas não resolve nada… Responsabilizar o capitão das UPPs o mesmo que fazemos com o professor: o salvador da pátria; é apostar no fracasso de mais um belo projeto… Basta olhar os resultados da nossa educação pública!

Por: José Luiz Lima
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William da Rocinha
Quem sou eu William de Oliveira é Presidente Nacional e Estadual do Movimento Popular de Favelas e Ex-Presidente da União Pro Melhoramentos dos Moradores da Rocinha (PMMR), Vice Presidente do Forum de Turismo da Rocinha, Vice Presidente da Federação das Associações de Jacarepaguá, Barra, Recreio e Adjacências, Diretor Juridico, Relaçoes Pubilcas e Assessor de Imprensa da Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro, Membro do Conselho Comunitário de Segurança Publica da ISP 23, Membro dos Comites de Acompanhamento das obras do Pac, Membro da Camara Comunitaria da Rocinha e sou Morador da Rocinha ha 39 anos.