Antes de explicar o assunto e sua intenção, devo lembrar – principalmente aos surdos que não estão habituados aos jogos de linguagem da língua escrita – que o termo “QUEIMA DE LIVROS” é uma figura de linguagem, o uso de uma analogia referente à queima (real) dos livros no período de ascensão e predominância do nazismo, no período da segunda grande guerra. O sentido metafórico é aplicado ao atual momento do INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos) e o “desaparecimento” de relevantes trabalhos da TV-INES, como se segue nessa comunicação.
O INES está localizado no bairro de Laranjeiras, na zona sul carioca, e é a referência nacional e internacional da comunidade surda do Brasil que se comunica por meio da língua brasileira de sinais (LIBRAS). Importantes temas, com seus respectivos autores, foram traduzidos para a língua de sinais, enriquecendo culturalmente os surdos deste instituto, produzindo um considerável acervo disponível para apreciação.
Entre esses autores, temos os históricos Karl Marx, Engels, Nietzsche, Deleuze, reconhecidos por considerações filosóficas triviais para a abstração humana. Certamente que os surdos estavam diante de obras que os enriqueceriam intelectualmente.
Porém, como o INES é um instituto federal, operando sob a égide do novo ministro da educação e afinado à proposta do novo governo mais preocupado em “despetizar” o país, em vez de apresentar propostas sólidas e substanciais, decidiu – de forma autoritária – excluir os trabalhos exaustivos e criativos feitos por profissionais (SURDOS e ouvintes) com os autores já citados (Marx, Engels, Deleuze, Nietzsche, etc.). Em outras palavras, todas as obras que não estejam afinadas à proposta do novo governo e de seu ministro de educação, não estão mais disponibilizados para exibição na TV INES, que é o canal midiático desse instituto.
Toda pessoa com um mínimo de inteligência (e seriedade) pode inferir que tal ato é uma ação déspota e intransigente, pois como disse Platão, o pensamento se estabelece nos contrários.
Apesar dos protestos daqueles que enxergam nesse ato um retrocesso, pois retira dos surdos a oportunidade de ampliar seu pensamento, há os que idolatram essa hostilidade ao conhecimento que se debruça em uma “caça” e “queima” de livros tal qual o modelo de uma Alemanha nazista (por isso o uso da figura de linguagem).
Como filósofo e filho de surdos que fizeram do INES um segundo lar, me atrevo a concluir, sem deixar de fazer minhas habituais perguntas retóricas:
A maioria das pessoas que concordam com essa ação *NUNCA LEU* Marx, Engels, Deleuze e Nietzsche.
Desconhecem os assuntos apresentados por esses pensadores
É uma pena, para todos.
COMO discutirei o fato incorporal no poema “Cinco Sentidos” do *surdo* Paul Scott, já que para isso terei que abordar a filosofia (agora subversiva) de Deleuze?
COMO discutir em sinais a diferença entre socialismo e comunismo (que a maioria nem sabe que são sistemas distintos) com os surdos se eles não terão acesso ao material de Marx?
E o modelo proposto por Engels, distorcido por Lênin e posteriormente Stalin; – fato histórico muito importante para se entender a guerra fria?
E Nietzsche? Qual a culpa do autor de “O Anticristo”?
COMO os surdos discutirão o conceito de Deus, Cristo, Paulinismo, Decadence, Chandala, Super-homem, etc. ?
Aposto que esse último foi riscado, por avisar que há vida (e muita!) fora da moral da Igreja. Não duvido em nada que tenha a mão dos doutrinadores pentecostais nessa ação sobre o filósofo hiperbóreo.
Enfim, só nos resta lamentamos em LIBRAS, já que a expressão corporal é sempre mais intensa que palavras faladas.