A cultura é o espaço onde se cristaliza a sensibilidade e a expressão criativa da sociedade humana, formando um legado, uma fonte permanente de inspiração, aprendizado e construção da identidade. A cultura é muito diversa. Um b-boy, uma malabarista, um ator, uma palhaça, um escritor, uma gaitista, uma violonista, um mestre de bateria, um pintor, um performer, um capoeirista… Todos são fazedores da cultura. E são trabalhadores, dedicam suas forças e retiram seu sustento dando o melhor de suas habilidades.
No campo do trabalho, os profissionais da cultura, talvez, sejam os menos contemplados pelo Estado. Um percentual pequeno atua como professor regular das áreas de artes. Mas a profissão de artista não possui plano admissional pelo Estado. Isso não implica na luta por concursos públicos para artistas, mas, sim, no fato de que o planejamento é falho. Não contempla com mais recursos e não desenvolveu jamais uma estruturação efetiva de infraestrutura e logística cultural que pudesse investir na maior sustentabilidade do fazer artístico, apostando na cultura e nas artes como essenciais e impactantes tecnologias urbanas, e por isso valorizando e fornecendo melhores condições de atuação a estes profissionais.
Todas as ações do Estado na cultura são hesitantes e descontínuas. Todas. A cultura é um setor da sociedade que muito contribui para a aprimoramento da experiência coletiva humana, mas cuja ação é pouquíssimo reconhecida pelo poder público, que tanto investe em nulidades. A cidade tem que compreender esse campo diverso da cultura e sua importância urbana, social, educativa, humanista.
Vou usar um exemplo comparativo que, para mim, demonstra com clareza o poder da mescla da arte com a tecnologia urbana de aprimoramento das cidades e que o domínio dos segredos desta tecnologia não está nas mãos usuais dos gestores e, sim, na inventividade e liberdade criativa do artista no espaço público.
Eu gosto de comparar a Cidade das Artes, na Barra, com a Escadaria Selarón, na Lapa, e de pensar sobre investimento e impacto social. De um lado, um imenso volume de dinheiro público e um grande nome da arquitetura internacional. De outro lado, um artista solitário, de bermuda e sandálias, tendo o baldinho de cimento como principal instrumento. Que imagem gira o mundo? Que obra atrai mais turistas? Qual delas se transformou em um ícone do Rio de Janeiro?
Talvez, a Escadaria Selaron seja uma boa metáfora para ilustrar a relação do artista com a cidade. Preterido, vendo escoar a verba pública para empreiteiras, OS, empresas, assiste passivo o chegar esporádico da migalha na mão do artista que está na massa. E, mesmo assim, segue realizando, contribuindo para a cidade, dedicando suas forças, construindo seu legado. Assim vai se seguir, porque faz parte da natureza humana esta paixão expressiva. Os indivíduos e os grupos seguirão, independente das condições, a elaborar e edificar suas obras artísticas.
Fica a pergunta: quando é que o poder público vai compreender a força da cultura para a vida nas cidades, o poder inequívoco da arte como estratégia basilar de enfrentamento da violência absurda que nos consome? Pensar nisso implica no retorno à conversa lá do primeiro parágrafo: escuta, planejamento e novas prioridades orçamentárias.