“É aos escravos, e não aos homens livres que se dá um prêmio para

os recompensar por terem se comportado bem.” Espinoza


Ao contrário do que se possa pensar, na favela as balas não são de borracha. A polícia que reprime as (surpreendentes e tão bonitas) manifestações é a mesma que executa pessoas nas favelas e periferias e a mesma que implanta nos morros as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s). E, ao contrário do que profetizou Arnaldo Jabor, também não é só pelos 0,20 centavos. Chega de viver num país que luta pelos direitos apenas dos seus iguais. Queremos lutar pelos desiguais, já que a única coisa que temos em comum são as nossas diferenças. E isso explica as diferentes reivindicações expostas em cartazes e gargantas nas ruas.

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Chega de abordagens simplistas e reducionistas de construções simbólicas negativas que associam moradores de favelas à violência, criando uma situação propícia ao desrespeito dos direitos mais básicos, constitucionalmente garantidos. Ao contrário do que se possa pensar, “nunca antes na história desse país” imaginou-se que a internet faria do ensino fundamental, médio e superior, uma dimensão nômade do nosso aprendizado (reflexões do prof. Giuseppe Cocco, da UFRJ, “nada será como antes e as redes sociais desempenham um papel importantíssimo”). A internet tem sido a nossa carta de alforria, graduando nossa nova geração que surfa nas redes e nas ruas via ondas de wi-fi compartilhadas. Se é verdade que nem todas as pessoas são capazes de transformar as informações da rede em conhecimento, também é verdadeira a afirmação que diz que essas mesmas informações permitiram ao menos um pouco mais de formação e muita mobilização. O tão famoso “saia do computador e vá ler um livro” transmutou-se em saia do computador e vá pra rua. E nós fomos! Para a surpresa (e desassossego) daqueles que se propõem a serem nossos representantes e que, ao contrário do que se possa pensar, só governam em prol de si mesmos e de suas famílias. Aliás, e a propósito: vou ali dar uma voltinha de helicóptero e já volto!

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Além disso, ao contrário do que também se possa pensar, não é o povo quem tem que acordar. Acordados sempre estivemos. Das 4 da madrugada às 11 da noite, em sua maioria, engarrafados em camburões ou navios negreiros (leia-se ônibus) lotados, descontrolados e na maior parte do percurso, estanques no meio da cidade. Talvez o que nos falte seja apenas a cor dar à vida, a cor dar aos nossos sonhos e assim colorir o parco respeito que temos, quando o temos. Tarefa difícil para quem não pode sequer ver a cor do dia, já que sai e volta pra casa – quando se tem uma casa – e o mundo já está todo escuro lá fora. Tarefa difícil essa de colorir quando nunca se pôde ter um lápis de cor nas mãos.

E se é fato que uma sociedade corrupta sempre terá governos corruptos, também é verdadeira a afirmativa que diz que governos corruptos constroem sociedades corruptas. Historicamente a dúvida sobrevive: tostines é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho? Quer dizer, os governos são corruptos porque a sociedade é corrupta ou a sociedade é corrupta porque os governos são corruptos? Eu fico com a segunda opção. Nossos coronéis modernizados cultivam meticulosamente nossa ignorância e literalmente a nossa falta de educação. E como mentem! Mas não se esqueçam: além de carros, cigarros, jóias e petróleo, são vocês, coronéis, que também produzem a pobreza e a violência.

Viva a “copa” das manifestações e a luta pela liberdade que nossa democracia não nos oferece. Um país mudo é um país que não muda. Se de fato nos ouvissem, não precisaríamos gritar. Não é só pelos vinte centavos ou pelas balas de borracha. É também pelas chacinas da Candelária e de Vigário Geral, é também pelas… e pelas, etc, etc, etc. Eu manifesto. Manifeste-se.

Giovanna Barreto é socióloga, professora e militante, mas gosta mesmo de sonhar, brincar com crianças e de escrever e contar histórias.