Hoje, fui acordado novamente ao som dos estampidos das balas de grosso calibre batendo nas paredes daqui de casa. É desesperador. Entramos em pânico. Isso nunca “nos assusta”, como a grande imprensa fala – isso nos leva ao colapso psicológico, os nervos travam e sentimos a morte muito mais próxima de cada um de nós. É aterrorizante, assim como os gritos de incitação dos lados em guerra, que se digladiam em palavras e xingamentos entre si.
A cada dia, observo o quanto somos fortes. Pessoas que saem ainda de madrugada para trabalhar, ouvindo os zunidos dos traçantes passando… Mães e pais driblando becos e vielas para levarem seus filhos para as creches e escolas, na esperança de blindá-los desse horror que vivenciamos aqui diariamente e que um dia eles possam se tornar alguém que, por conta dos estudos, não vai mais precisar passar por isso.
O comércio fecha, as pessoas não circulam, o dinheiro se vai. O cenário é devastador e sombrio. Vejo a nossa favela sendo destruída a cada dia que passa. As pessoas simplesmente estão indo embora com suas mudanças e histórias – a todo instante, vejo casas a venda por aqui. Tudo bastante melancólico e deprimente.
Sempre me impressiona a força dos que ainda resistem e insistem em ficar aqui. São pessoas guerreiras, que dispõem de uma força sobrenatural. Essas pessoas se reerguem rápido nos poucos momentos em que ficamos sem confrontos e tentam voltar às suas rotinas normais, recorrem aos vizinhos e amigos e ganham motivações extras. Uns vão confortando e informando aos outros, ajudando de todas as formas possíveis, pois é a união que nos torna os vencedores no meio dessa guerra que não tem fim.
Faço aqui um apelo, um grito de socorro ao mundo aí fora: acolham os moradores das favelas, que vêm enfrentando essa guerra sem lógica e sem precedentes. Precisamos que os governantes apresentem uma solução imediata e resolvam o problema que eles mesmo criaram.
Somos fortes e daqui não sairemos. Este é o nosso lugar, o nosso território, a nossa casa. Favela resiste.