É sempre bom lembrar: ser jovem, pobre e fazer o que ama não é fácil. Muitos de nós, com seus 20 e poucos anos, passamos a juventude ouvindo que precisávamos fazer a diferença. Que o nosso trabalho deveria não só gerar dinheiro e sustento, mas, principalmente, satisfação pessoal. Que poderíamos não trabalhar nunca, afinal, o amor pela profissão colocaria o prazer em fazer-acontecer no lugar do tédio das obrigações.
Não foram poucos os que nos disseram isso. A TV nos disse isso. As revistas nos diziam isso. Os depoimentos das pessoas bem-sucedidas nos jornais também. A internet passou a bradar massivamente essa (pós) verdade nos sites especializados em viagens de “casais que largam tudo para dar a volta ao mundo” ou em belas ações de empreendedorismo jovem bancadas com dinheiro de herança.
Mas a vida real não funciona à moda poliana – principalmente quando a sua realidade jamais poderia estampar um comercial de margarina. Quem precisou ralar muito em cursinho pré-vestibular na periferia, enfrentar três conduções para chegar ao estágio e empregar o salário inteiro nas contas da casa enquanto os colegas de classe faziam planos de intercâmbio no exterior ou de férias nos balneários da moda sabe bem do que estou falando. Além de lutar pelos sonhos, querer mudar o mundo, crescer enquanto gente e batalhar por um trabalho prazeroso, quem está do outro lado da quebrada precisa, primeiramente, sobreviver.
Vivemos a ilusão de um universo cor de rosa que nos diz que temos que ser incríveis, ler 50 livros por ano, estar presente em todos os eventos sociais, viver e ainda ser feliz. Mas como fazer tudo isso ao mesmo tempo quando se vive do outro lado da cidade ou em uma zona de conflito permanente, em que estampidos de tiros atrapalham a concentração da leitura? Como alcançar isso se o mundo, de cara, também já nos julga pelo nosso CEP, pela nossa cor de pele, pelas roupas que usamos ou pelo celular que compramos em 12 prestações no crediário?
Os jovens das favelas e periferias têm se empoderado intelectual, social e profissionalmente cada vez mais para se permitirem o mínimo dos direitos: sonhar. Não queremos a vida limitada dos nossos pais. Não queremos a estreiteza de mundo dos nossos avós. Somos gratos por tudo, sim, mas queremos mais. A questão é que esbarramos em quase todas as mesmas dificuldades que eles e nossos antepassados viveram por décadas e décadas. Quem “não tem camisa” não tem moleza. É preciso saber que vai ser três vezes mais difícil de alcançar os objetivos do que o é para os privilegiados que insistem em dizer que merecem mais louros que nós ou para quem é mesmo tudo muito descomplicado. Mas se der errado, é só tentar de novo. A vida é assim: sem receita, sem prognóstico, um jogo de erros e acertos.
O mais importante em se dar o luxo de ansiar por grandes planos é não esmorecer. A quantidade de pessoas que não nasceram em berço de ouro e fizeram algo de realmente relevante antes dos 30 é ínfima. Por isso não adianta ter pressa ou se comparar com outras histórias. Vá fazendo o seu, cavando seu espaço, explorando seu potencial devagarinho mesmo, como quem nada quer. Tenha confiança e acredite que o céu existe, sem esquecer de sempre manter os dois pés fincados no chão.
Mal ultrapassou a maioridade e ainda não alcançou todos os seus sonhos? Tá tudo bem. Basta ter calma e continuar a nadar. Afinal, como já dizia aquela música que toca em todo pagode de domingo da quebrada: “Erga essa cabeça, mete o pé e vai na fé; manda essa tristeza embora; basta acreditar que um novo dia vai raiar; sua hora vai chegar”.
Já chegou.