A SuperVia transporta cerca de 300 mil pessoas por dia, mas para a população da Baixada Fluminense, embarcar nesse transporte público é um desafio diário. Com passagem custando R$ 7,40, o trem nem de longe vale o preço pago pelo consumidor – em São Paulo de metrô ou trem custa é R$ 4,40, e o transporte é muito melhor.
A massa trabalhadora do município do Rio de Janeiro vem, em grande parte, da Baixada Fluminense. São pessoas que dependem diariamente do transporte público ferroviário intermunicipal para chegar ao seu emprego. O metrô, na linha 2, atende apenas a parte da zona Norte da cidade.
É do espaço abandonado da Baixada Fluminense, incluindo seu transporte de trem, que a potência de trabalho surge diariamente. Mas, além das dificuldades que toda trabalhadora e trabalhador enfrentam, a vida profissional é dificultada pelos valores do deslocamento e a péssima qualidade do serviço. Isso sem contar que, quanto mais distante, menor a possibilidade de emprego.
Quem possui trabalho, não quer perder. “É muito sofrido, diariamente, mas o que vou fazer? Preciso trabalhar para sustentar minha família. O patrão não enfrenta esse transtorno e não entende o quanto isso afeta nosso desempenho profissional”, relata uma passageira que não quer se identificar por vergonha da situação que vivencia todos os dias.
O ramal 12 da SuperVia
Falar desse ramal significa compreender que os investimentos realizados ao longo dos anos parecem não ter alcançado a linha. Além do fato dela ser a única com baldeação obrigatória, a extensão Saracuruna, Vila Inhomirim ou Guapimirim é realizada de forma precária.
A via de pouco mais de 36 quilômetros liga Saracuruna, em Duque de Caxias, ao centro do Rio de Janeiro. O trajeto, sem percalços, dura 1 hora e dez minutos, passando por 20 estações.
O trabalhador que adentra o trem em Saracuruna, sentido Central do Brasil, precisa descer em Gramacho, duas estações após se sentar, apenas 10 minutos depois, e encarar um tumulto de, às vezes, 30 minutos, para continuar sua viagem.
Essa é a situação de Iasmim Cardoso, jovem aprendiz e usuária diária do serviço. “Saio quatro e meia da manhã de casa. Gostaria de entrar no trem e só me levantar na estação que tenho que descer. Essa baldeação me faz acordar e ter que ir em pé até meu trabalho”.
O acúmulo de pessoas em Gramacho ocorre pelo fato de atender as demandas caxienses. Moradores da localidade se direcionam para essa estação final, causando um aumento de fluxo, na hora do rush. E quem não enfrenta a superlotação cotidiana, passa por transtornos piores.
Via não justifica o “super”, de SuperVia
A extensão desse ramal possui trens sucateados e até de modelos muito antigos, apelidados de “maria fumaça” pela população. Alguns vagões não têm portas, ou apresentam defeitos, assim como janelas quebradas ou inexistentes.
O serviço, mesmo com os investimentos recebidos ao longo dos anos, ainda utiliza o trem da Rede Ferroviária Federal, a frota mais antiga da concessionária, privatizada em 1998 para a SuperVia.
“Esse debate sempre existiu, mas não houve interesse de que fosse mudado. Inicialmente, pela história do serviço ferroviário com as localidades da extensão e, em outra ocasião, pelo descaso social, na minha opinião. Como não há necessidade de investimento?”, pergunta um dos funcionários administrativos da SuperVia, sem querer se identificar.
A mesma concessionária teve 60% da empresa vendida para Odebrecht em 2010, mas a população não sente a modernização, nem bons resultados. “É desumano esse deslocamento, meu senhor. A porta não fecha, algumas estações são comandadas por bandidos. Passamos por dentro das bocas de fumo. O ar-condicionado não funciona nesse calor do Rio de Janeiro. O que posso esperar? Não somos animais para sermos tratados assim”, declara Augusto Severo, passageiro diário da SuperVia.
As estações abandonadas expõem o desinteresse da concessionária em resolver qualquer tipo de problema, mas especialistas em mobilidade apontam soluções viáveis.
VLT na Baixada Fluminense
Uma das soluções apresentadas pelo Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro é que o Veículo Leve Sob Trilhos, famoso VLT, pode atender a demanda. Em uma perspectiva de reconhecimento à beleza local e baixo investimento, calculado por esses profissionais, porém não declarado, pode-se entender as vantagens do VLT, especialmente quando vai na direção de atender a demandas sociais e econômicas.
Henrique Silveira, geógrafo, subsecretário de Integração Metropolitana da prefeitura do Rio de Janeiro, cofundador, ex-coordenador executivo e geral da Casa Fluminense, diz que “os engenheiros fizeram um levantamento técnico, viram ser possível e elaboraram uma proposta para o VLT na bitola estreita que nós temos. É tecnicamente viável e financeiramente também, conforme o estudo do sindicato”.
O morador Pablo Henrique expressa uma compreensão contextual sobre o assunto: “Compreendi que Mobilidade Urbana é muito mais do que apenas se deslocar pelo espaço do ponto A para o ponto B. Mobilidade Urbana tem relação com direitos, direito à cidade, saúde, emprego, educação, lazer, turismo. A sua localidade e capacidade de mobilidade vão definir até onde você pode chegar, o que é muito agravado no contexto das periferias da Baixada Fluminense, como Imbariê”.
Henrique realiza Trabalho de Conclusão de Curso sobre a temática da mobilidade urbana pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Tempos de deslocamento
O tempo de deslocamento a partir do ramal Vila Inhomirim pode ser mais que o dobro registrado em outros ramais da SuperVia, de acordo com ferramenta do Google Maps:
– Do Ramal Gramacho, percorre-se 15 km em 20 minutos;
– Do Ramal Santa Cruz, percorre-se 15 km em 23 minutos;
– Do Ramal Japeri, percorre-se 15 km em 25 minutos;
– Do Ramal Vila Inhomirim, percorre-se 15 km em 47 minutos.
O inconformismo só cresce quanto mais dados são verificados, como os dos relatórios de fiscalização da Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários, Metroviários e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro (AGETRANSP).
No ramal 12 da SuperVia, foram registradas 28 situações de precariedade, como ausência de piso tátil, falta de cobertura contra intempéries na plataforma, iluminação insuficiente e ausência de funcionários da concessionária.
Segundo o site da concessionária, a diferença financeira do investimento do poder público é gritante. A SuperVia recebeu cerca de R$ 1,2 bilhão para a manutenção de seus serviços; enquanto isso, a ampliação do metrô para a Barra da Tijuca recebeu R$ 8,5 bilhões. A SuperVia atende uma demanda maior de pessoas cotidianamente, e seus ramais possuem quilometragens maiores.
Outro aspecto que causa espanto é a quantidade de furtos e a falta de segurança. Diariamente, fios são roubados e algumas estações, por atravessarem comunidades periféricas, não possuem cabine de cobrança.
SuperVia em números
Com um serviço que atendeu 1 milhão de pessoas cotidianamente nos anos 80, o trem deveria ser o transporte público mais utilizado pelos cariocas. Consequentemente, o mais evoluído. Isso evitaria os enormes congestionamentos causados pelos que preferem encarar os ônibus ou se arriscam nos transportes alternativos, como as Vans lotadas.
A SuperVia recebeu R$ 12,5 milhões em multas até abril de 2022 e tem autorização para operar até o ano de 2045. O governo do Estado pretende garantir um aditivo à SuperVia para que haja um reequilíbrio financeiro do contrato, permitindo que a empresa, que se encontra em recuperação judicial, continue funcionando.
Ainda há quem acredite nas melhorias, mas a cada dia que passa, a população da Baixada Fluminense sente-se mais abandonada.
Resposta da SuperVia
Atualmente, 99% das viagens realizadas pela SuperVia em dias úteis são em trens refrigerados. Nos fins de semana, são 100%. Em alguns dias é necessário utilizar composições sem ar-condicionado para possibilitar os reparos de alguns trens mais novos, que frequentemente são alvos de vandalismo.
Em Gramacho, foi implementada, em 2015, uma operação de transferência entre trens com o intuito de reduzir os intervalos entre as viagens que partem de Saracuruna. Outra melhoria que está implementada pela SuperVia é a adequação das instalações das estações para garantir mais acessibilidade para os clientes. Em 2022, a SuperVia assinou um TAC com o Ministério Público que estabelece que, além das estações, sejam feitas adaptações também nos trens.
É importante ressaltar que a SuperVia presta um serviço regulado pela Agetransp. A agência é responsável pela fiscalização da atuação da concessionária e pela homologação da tarifa. O reajuste tem como base o IGP-M acumulado de 12 meses.
A segurança pública do sistema ferroviário é de responsabilidade do Estado e o Grupamento de Policiamento Ferroviário. A SuperVia tem uma estrutura de monitoramento por câmeras e agentes de segurança.
Esta matéria foi produzida com apoio do Edital Google News Initiative.
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