Ver jovens negros ocupando a cena cultural e artística de Salvador como plateia e protagonista, sempre foi o sonho do produtor cultural, Nell Araújo, diretor do Teatro Jorge Amado, mas ele conhecia as dificuldades de reunir seus iguais e as suas próprias limitações financeiras. Por isso, em 2017, idealizou uma escola cultural que transformasse vidas: formasse cidadãos mais humanos, politizados, que soubessem a importância do negro na cultura Brasileira, evidenciassem suas lutas e conquistas.
Com pouquíssimos recursos, mas muita coragem e força de vontade, “nasceu” o Teatro Escola Jorge Amado, hoje, apenas Teatro Escola (TE) projeto gratuito, pioneiro no Norte e Nordeste, que acolhe em sua estrutura física e maternal, jovens negros entre 14 e 24 anos, maioria de escolas públicas e que, desde sua formação, já beneficiou mais de 500 jovens, tornando-se referência nacional pela formação oferecida, inclusive com práticas profissionais nas agências Juniores de notícias, produção, criação, etc.
A grade curricular tem aulas de produção cultural, teatro, dança, técnico em palco, maquiagem, libras e fotografia. Além das “matérias” interdisciplinares: ciências políticas, direitos humanos, literatura afro brasileira, cultura indígena, comunicação cultural e assessoria de imprensa, línguas de matrizes africanas e curso pré vestibular.
“Fui criado na Gamboa por minha avó, que me ensinou que, só com estudo, um jovem negro faria a diferença. Cresci numa favela marcada pelo preconceito e com muitos problemas sociais. Perdi amigos para o tráfico e vi muitos abandonarem a escola por dificuldades financeiras, mas não desisti”, conta orgulhoso o “menino” preto, que cresceu e se formou Relações Públicas.
“A faculdade foi um divisor de águas em minha vida. Ampliei horizontes e vivenciei a cultura no dia a dia.
Compreendi que estudo e cultura se completam”, afirma.
Reconhecido no mercado, foi fazer intercâmbio no Canadá, voltou pra assumir a direção do Teatro Jorge Amado, um dos mais tradicionais da cidade. “Nasci preto e pobre, mas, consegui e, se eu posso, todos podem! Tinha que unir aqueles que comungam dos meus ideais. Contribuir para formação cultural de jovens pretos para que se tornassem cidadãos mais humanos, conscientes de que, não é preciso muito dinheiro, só com amor e união, é possível fazer valer a pena”, garante Araújo.
“As pessoas foram chegando, professores voluntários e alunos, as turmas e disciplinas crescendo, até que tivemos nossa primeira amostra cultural, com o tema ‘identidade ancestral’ uma super produção dos alunos. Foi um dos mais belos espetáculos que já vi. Apesar das dificuldades, já era realidade”, fala emocionado.
Hoje, o projeto que também estimula os alunos com produções mensais, como “Café com Cultura” e está formando cerca de 200 alunos, entre eles, quatro integrantes do Coletivo Underismo – Movimento Retilíneo dos Largados. “Trevo” = Roger, “Senpai” = Darlan, “Dj Moura” = Adilton e “Ares” = Alfer garantem que tudo que lhes têm sido ofertado como ferramenta profissionalizante está sendo bem aplicado na prática. “Todo conhecimento que adquirimos, aplicamos nos nossos ‘corres’ diários como artista nas ruas de Salvador” afirmam.
Já o aluno e ator Jandson Silva, morador da bairro Itinga, em Lauro de Freitas, diz que o Teatro Escola foi e será sempre a experiência mais incrível da sua vida “o aprendizado e ensino, prático e teórico, são de primeira. As aulas interdisciplinares ampliam nosso conhecimento artístico e cultural. É uma oportunidade única pro negro periférico de escola pública. Um projeto de transformação, que me faz um artista mais completo e um cidadão do bem mais consciente”, afirma.
Na opinião da vice diretora do projeto, a produtora cultural Janaína Costa, “projetos que ressaltam a importância do negro no ramo cultural e educacional, evidenciando suas conquistas e capacidade estão começando a ganhar espaço e credibilidade junto às comunidades sociais, formadores de opinião e patrocinadores”, acredita. E conclui dizendo que “os voluntários de projetos como este, ganham pela oportunidade de aprofundar o olhar e aprender a se importar com aqueles que só precisam de um contato ou uma chance para brilhar de forma mais igualitária e humana”.