Na primeira vitória de Lula para presidente, meu amigo Fábio, mais conhecido como Pic, estava muito preocupado com a primeira noite do recém-eleito. Seu medo era um possível assassinato de Lula por grupos e indivíduos conservadores. Estes criminosos em potencial são os mesmos que lutam contra a ascensão social dos mais pobres e as conquistas de direitos dos trabalhadores, estudantes, homens e mulheres, principalmente a população negra, que ao longo do governo chegou a conquistar até um ministério para cuidar de suas causas.
Naquela noite, havia uma mistura de felicidade e tensão. Passei a noite acordado. Logo de manhã, fiz questão de ligar a TV, sintonizar na Globo e, de pronto, uma nota oficial da emissora parabenizava o primeiro operário a ser eleito presidente da República Federativa do Brasil. Eu me imaginava dentro de uma ocupação do MST bebendo cachaça orgânica para comemorar. 500 anos de resistência não seriam em vão, os mais humildes alcançariam o poder!
Uma onda de otimismo passou pelas casas de todos os pobres, acompanhadas de obras com cimento a preço baixo, mais carne vermelha na mesa do trabalhador. Antes dessa onda, eu era ridicularizado no emprego pelos colegas, pois, em minha marmita, todo dia havia só frango. Eles diziam que um dia eu iria acabar sair voando ou colocando um ovo… Chateado, fui falar com minha mãe, que respondeu simplesmente: “Frango é mais barato. Frango é que é comida de pobre!”. Isso marcou minha vida, e, toda vez que eu comia um pedaço de bife, lembrava do dia que passei acordado torcendo para que Lula amanhecesse bem.
Nesse tempo, eu passava as tardes no calçadão de Nilópolis. Pic tinha um amigo quase inseparável, o Mexicano. Os dois são artesãos, curtiam rock ‘n’ roll e me apresentaram também vários compositores brasileiros, com destaque para Zé Rodrigues e Alceu Valença e o albúm “Papagaio do Futuro”. Ouvi esse disco em CD diariamente por cinco anos, até que foi levado pelo João Gabriel, representante de uma geração mais nova, porém, antenada no skate, internet e nos estudos acadêmicos. Foi ele que me incentivou a fazer vestibular, emprestando livros e apostilas. Também me levou para conhecer o Uruguai em uma viagem de mais de 20 dias em um ônibus fretado pela UERJ. Em seguida, fui aprovado para cursar Geografia.
Eu sempre quis estudar Geografia para colaborar com os movimentos sociais e realizar o sonho de ser professor e depois diretor do Colégio Estadual Ubiratan Reis Barbosa, em Nilópolis. Foi nessa escola, onde trabalhei na cantina, que finalizei o Ensino Médio. Com os avanços e conquistas sociais que estavam em pleno curso no país, me senti mais aliviado e disposto a me dedicar inteiramente às artes e minhas próprias complexidades de adulto em formação.
Também passei mais de dois anos no Município de Mesquita, onde conheci novas formas de fazer política, em parceria com a Casa de Cultura Rasta-Brasil e a Coordenadoria de Igualdade Racial. Que saudades da Rose Torquato e do Geilson, a quem eu chamava de padrinhos, pelo acolhimento e carinho comigo e com André-Rasta, tecladista e cantor da Banda Raiz Ancenthral.
Sentia-me vivendo um período de pós-revolução, com anúncios de direitos sendo oficializados em leis e emendas. No plano nacional, o Governo Federal era forte e participativo, refletindo nos governos estaduais e municipais. Muitos editais foram abertos e muitos grupos artísticos conseguiram se organizar para concorrer. Em 2005, fui aprovado em um teste para ser professor em uma grande companhia de teatro, o Grupo Nós do Morro. Foi em Nova Iguaçu, com o prefeito Lindbergh Farias, que implantou o Programa Escola-Bairro, no qual uma escola selecionada recebia uma lona para atividades de teatro e seu entorno também era contemplados com saneamento e asfalto. Minha função ali era de artista-multiplicador em Contação de Memória.
Nesse tempo, conheci o ator e malabarista Mozart Guida, da Companhia Somosaarte. O grupo de Mozart foi contemplado no Edital Pontinho de Cultura em 2008/2009. Trabalhamos com adolescentes na Escola Técnica João Luiz do Nascimento, na mesma cidade, onde ficamos por mais dois anos. Em 2009, escrevi um projeto para um filme documentário, “Mazzim Mazamba no Reino da Buzunganga”. Como eu era novato no universo dos editais, até hoje não sei se ganhamos o prêmio em dinheiro do Edital Interações Estéticas. O diretor do filme e também proponente sumiu com as imagens gravadas e foi se dedicar a outras hobbies… Pelo menos, a equipe ganhou uma viagem para o Encontro Nacional de Pontos de Cultura, o Teia Ceará 2010.
Depois desse trauma, jurei que nunca mais iria fazer produção para ninguém e dirigiria meus próprios filmes. Foram eles: “O Passo de Madureira”, “Reggae na Praça”, “Tambores e Metais”, “Ousar o Anarquismo”, “Amor Crocodilo” – todos em parceria com movimentos sociais.Para conseguir finalizar os vídeos com independência, me inscrevi no Pronatec e consegui quatro bolsas consecutivas no Senai, onde estudei Videografismo, Fotografia e Edição de Vídeo por duas vezes. Na última, conheci o jornalista André Fernandes, que me convidou para escrever no portal da ANF e fazer parte dessa família.
No Teia de 2014, do qual também participei em Natal (RN), conheci o Plano Nacional Cultura Viva, que contemplava quilombolas, ciganos, mulheres, LGBT, movimentos de Hip Hop, negros e indígenas. Tive contato com todas essas representações, o que me proporcionou um enriquecimento intelectual imensurável.
Em 2015, eu já era craque em escrever para editais, e fui selecionado para a função de articulador-local na Secretaria Municipal de Cultura do Rio, oportunidade que me fez conhecer mais de 250 proponentes de projetos socioculturais da Zona Oeste. Nós atendíamos até grupos representados por pessoa física, com pouca burocracia, em uma verdadeira tentativa de democratização da cultura.
Mas e o Lula? O Lula, junto com os movimentos sociais, plantou as oportunidades que consegui colher anos e anos depois. E na sua vida, houve alguma mudança?