Jair Bolsonaro anuncia que daqui pra frente viverá de palestras nos Estados Unidos e faço esforço para conter o riso e o sarcasmo que envolve qualquer conclusão ou comentário que possa tirar da novidade. Viver de palestra para que público? Sobre o que, alguém pode dizer? Pensei nos universitários americanos, sempre prontos a ouvir duas horas sobre qualquer assunto, desde que renda crédito no currículo.
Mas, pensando melhor, nem mesmo a universidade é mais o celeiro de jovens conformados com a vida que a sociedade oferece – tampouco ela lhe oferece futuro de realizações e riquezas, um mundo aberto às conquistas. Em todos os campos do saber acadêmico, vale mais produzir lucros do que harmonia e felicidade. O dinheiro é tão valioso que nele lê-se “Em Deus confiamos”, querendo com isto dizer que botam fé mesmo é no dinheiro.
Olhando a coisa por esse prisma, talvez a carreira de conferencista seja uma boa saída para Bolsonaro, enquanto seu nome está em evidência. Andy Warhol disse muitas décadas atrás que “todo mundo será famoso por quinze minutos”, e esse quarto de hora vem se estendendo além do tempo para o ex-presidente brasileiro excêntrico e histriônico, que fazia continência diante da bandeira americana provocando orgasmos numa certa classe média patrícia que sonha viver em Miami.
“Como perpetuar-se num cargo eletivo ganhando os tubos sem fazer esforço”, taí um bom tema para desenvolver numa palestra em que ele pode falar à vontade sobre contratar pessoas para o gabinete legislativo desviando para si mesmo até 90% da remuneração combinada. Eventualmente, Fabrício Queiroz poderia ajudá-lo com gráficos e planilhas em powerpoint. Ou Michele distribuindo “açaí da Val” ao público no intervalo. Seria original, pelo menos.
“Destruir durante, depois e sempre”. Este tema aborda o desmonte do país nos quatro anos do mandato presidencial de Bolsonaro: previdência, indústria, organizações, serviços, políticas públicas, economia, privatizações a preço de banana, enfim, os mais diversos setores por onde se meteu o governo, legal ou ilegalmente. A conferência termina com o golpe militar frustrado que o fez fugir do país como uma preá assustada.
“Cartão corporativo, um dinheiro para chamar de seu”. Este tema requer capacidade de raciocínio sofisticada, Bolsonaro começaria pelo conceito de patrimonialismo, a satisfação de ser dono de tudo no governo sem dar satisfação a ninguém. Dito assim, parece fácil, mas para engambelar uma plateia nos Estados Unidos, mesmo majoritariamente brasileira e favorável, é preciso soar convincente e sincero. Os gastos de nove mil reais toda manhã numa só padaria são tipo de despesa que Bolsonaro explicaria com o argumento de que “tá na cara que não foi assim, e daí, eu não sou contador, talkey?”
“Genocídio de indígenas, negros e favelados: tudo mentira”. Aqui está o tema mais sensível para o ex-presidente. Inclui pandemia e mortes por Covid, operações policiais nas periferias das grandes cidades, isolamento forçado dos yanomamis para morrer de sede, fome e malária. Muitos temas e sérios demais para uma palestra ou conferência apenas. Melhor organizar um ciclo a ser realizado no auditório da penitenciária onde Bolsonaro cumprirá pena por todos os seus crimes, lá mesmo ou aqui no Brasil.