“Sim (ora, se sim!!!)… é o Cacique de Ramos,
Planta onde, em todos os ramos, cantam os passarinhos nas manhãs
Lá (oi, é lá) o samba é alta bandeira (Eu falei pra você que é alta bandeira) E até as tamarineiras são da poesia guardiãs” Grupo Fundo de Quintal
Começo essas linhas com esse hino do samba, que identifica sim um lugar de fala. Território marcado pela ausência das políticas públicas, que viu seu desenvolvimento urbano precário acompanharem as margens da ferrovia que cortou e ainda corta o subúrbio do Rio de Janeiro. Lugar historicamente abandonado pelo Estado, que via esse lugar como algo marginal, ou seja, o sub-urbano, favelado, carregado de estigmas e opressões.
Rodeado pelo complexo de favelas do alemão, o berço do samba viu Zeca Pagodinho começar a cantar, Jorge Aragão tocar, Arlindo Cruz poetizar, Ubirany repicar e a madrinha Beth abençoar. Não existe história da cidade do Rio de janeiro se não falar do nosso Fundo de Quintal. Grupo que inovou o jeito de fazer instrumentos e melodias cultivou a cultura da roda de samba e se mistura na cultura carioca com o jeito próprio de ser do Cacique de Ramos.
O debate que tem surgido em meio ao continente digital a cerca da presumida ‘apropriação cultural’ perdeu o foco da criticidade e está sustentado em um emaranhado de reproduções preconceituosas. Não existe lugar para comparar o desfile do Cacique de Ramos com setores da classe média se fantasiando de índio. Muito menos compara-lo ao racismo do black face e das fantasias de ‘nega maluca’.
A apropriação cultural está em transformar o que é simbólico, religioso e que dá sentido à vida das pessoas em produto para ser consumido. A apropriação cultural está na dominação do mercado, naquilo que substitui a cultura popular por algo vendável, meramente comercial, sem representação e significado.
Aquilo que falam que a apropriação cultural é dar tom pejorativo a uma representação social, está equivocado. Isso é configurado preconceito. Chamamos de racismo, machismo, homofobia, gordofobia, classismo, dentre outros ‘ismos’ que configuram o pensamento narcisista de parte da sociedade.
O Cacique de Ramos no carnaval e fora dele é de uma cosmogonia que está fora deste jogo econômico. Ele é fundado pelo povo de terreiro e firmado pelos ensinamentos da das religiões de matrizes africanas. O bloco tem autorização das entidades indígenas para desfilar, e na sua sede, na Rua Uranos em Ramos, tem assentamento feito aos pés da Tamarineira.
Meus pais desfilaram no Cacique e me contaram inúmeras histórias de como naquela saudosa época a disputa era entre os caciqueanos e a turma do Bafo da Onça. Fora dessa disputa, qualquer comparação não tem o mínimo de coerência.
Como diz o samba: “respeite quem pôde chegar aonde à gente chegou”.