Respiração ofegante, barulho de tiros, tensão. Coloquei a mão nas costas e senti minha camisa molhada, minha orelha queimava e de repente comecei a sentir sede. É necessário procurar a plenitude no meio do caos. Tranquilizando-me ou permanecendo calmo. O William estava preocupado. A todo momento dizia que eu tinha sido baleado, mas ficou mais calmo quando disse que foi de raspão. Bandidos passavam em frente a UPA de Manguinhos em direção à favela do Mandela. Vindo do Jacarezinho, tive um mal pressentimento, mas entrei para o food truck em que eu trabalhava para atender um cliente. William e eu sorriamos, falávamos sobre futebol. Tudo aconteceu muito rápido. Fui olhar meu celular e quando virei para olhar a carne na chapa, escutei o estopim próximo ao ouvido. Nos jogamos no chão e os tiros continuaram. Quando os bandidos voltaram do Mandela bateram de frente com policiais da Core, que faziam a escolta de um suspeito que foi ferido no Pedregulho, na Mangueira, e atiraram para dispersar os policiais enquanto fugiam. Minha sorte foi que a bala bateu na lateral da van. Depois de toda turbulência, imaginei que nasci novamente naquele dia.
Caminhei rapidamente até a UPA para retirar os estilhaços e limpar o ferimento. Os tiros recomeçaram. Na recepção, só tinha um policial. Então, fui em direção a sala de classificação de risco e algumas pessoas se encontravam abaixadas e outras deitadas. Uma delas falava desesperadamente ao celular.
Um homem passou mal. Sentei-me no chão também e fiquei observando ao meu redor. As paredes não ofereciam tanta segurança, caso as balas viessem em nossa direção. Mas pelo eco dos tiros, nossa localização era segura. Tentei ligar para o meu patrão e avisar do ocorrido, mas estava sem sinal. Foi, então, que percebi que larguei tudo: dinheiro, chave e o pior, William. Onde estaria o amigo?
Queria voltar e pelo menos cumprir meu serviço, mas três policiais da Core impossibilitavam a saída. Antes de conseguir sair, olhei para a porta de entrada e a parte superior tinha dois furos de bala. A rua estava vazia. Todos os trailers foram fechados, inclusive a van. O amigo tinha sumido e meu patrão chegou e ajudou-me a guardar tudo e a fechar o estabelecimento.
Na saída para casa, o amigo desceu de um táxi e disse-me que já estava indo embora quando me viu. Fomos caminhando em direção à minha casa. Passamos por três viaturas da Core estacionadas próximo ao ponto de ônibus e depois que passamos pela quadra de futebol de um rio, na Avenida Suburbana, três PMs, que ficavam no posto da UPP, nos abordaram violentamente. Ignoraram o que disse sobre ter sido ferido e estar a caminho de casa. Depois que um deles perguntou onde morávamos e o amigo disse que residia na Zona Sul, o PM disse: – Na certa veio buscar droga.
Senti um ódio enorme por dentro, porque ele não queria nos liberar. “Filho da puta quer dinheiro, mas como não estamos com droga, ele não vai arrumar nada”, pensei.
Havia passado de uma da manhã, quando o William conseguiu pegar uma condução sentido ao Centro. Nenhuma queria parar. Voltei pra casa e agradeci a Deus pelo livramento, depois ouvi um som dos Racionais MC’s “Tô ouvindo alguém me chamar”.