“Não tem faltado ajuda para as pessoas da comunidade”, afirma Cristiane Aparecida da Silva, de 44 anos, moradora da ocupação Levanta a Saia, na região de Água Espraiada em São Paulo. Para ela, que já trabalhou como empregada doméstica, e hoje está desempregada, o auxílio que grupos e instituições têm fornecido são importantes nesse momento de isolamento social e desemprego causado pela pandemia. Hoje, Cristiane sustenta a família com o auxílio emergencial que a filha recebe e com a renda do marido que é carroceiro.
Um pesquisa realizada pelo Data Favela em parceria com o Instituto Locomotiva alerta para os impactos da pandemia nas favelas brasileiras. Executada em julho de 2020 com 3.321 entrevistas de moradores de 239 favelas de todo o Brasil, a pesquisa concluiu: o desemprego é o dobro nas favelas do que fora delas; 80% das famílias estão vivendo com metade do que viviam antes da pandemia; 76% dos favelados afirmaram que, em pelo menos um dia, faltou dinheiro para comprar comida durante a quarentena; um terço dos entrevistados afirmou que só teriam reservas financeiras para sobreviver sem pedir ajuda por uma semana.
Além disso, o estudo apontou que quase sete em cada 10 famílias da favela pediram o auxílio emergencial, porém 41% ainda não conseguiram receber o benefício. A pesquisa também mostra que nove em cada 10 pessoas receberam alguma doação durante a pandemia, sendo 69% beneficiados por ONG’s e 36% pelo governo.
“Eu pego alimento pronto de grupos que vêm distribuir aqui na rua, tenho auxílio emergencial, meu marido está trabalhando e ganhamos uma cesta básica de um projeto social”, comenta Suelen Augusto Santiago Gomes, 29 anos. Moradora da favela da Coréia, em Cidade Ademar, São Paulo, Suelen também acredita que a pandemia causou um crescimento no número de pessoas e grupos que auxiliam moradores de áreas mais carentes. Ajuda que, segundo ela, a fez não passar por necessidade.
Segundo a pesquisa do Data Favela, oito em cada 10 famílias não teriam condições de se alimentar, comprar produtos de higiene e limpeza ou pagar contas básicas caso não tivessem recebido doação. Constatação que Cristiane e Suelen confirmam. “Apesar do momento que estamos passando, não falta alimento devido ao auxílio que recebemos, senão teríamos passado fome”, explica Cristiane. “Temos conseguido comprar materiais de proteção, por enquanto”, comenta Suelen.
“As pessoas estão mais abertas e dispostas a ajudar nessa pandemia. Estão mais conscientes no momento ou doando, ou se doando”, esclarece José Francisco Pereira, 50 anos. O empresário fazia parte de um trabalho voluntário em uma casa espírita por 20 anos. Porém, quando começou a quarentena, a instituição interrompeu as atividades assistenciais. Percebendo a necessidade de uma continuidade no trabalho, ele e outros trabalhadores do local começaram a buscar doações entre amigos e clientes de sua empresa, ampliando as ações.
Hoje, com 65 voluntários, distribuem, pelo menos, 100 cestas básicas para famílias vulneráveis, roupas, ração para cachorros de rua e ao menos 700 refeições diárias. “Um auxílio que alcança atualmente 500 pessoas por mês”, contabiliza Francisco. Eles percorrem cinco rotas diferentes nos bairros de Capela do Socorro, Santo Amaro, Interlagos, Cidade Ademar e Campo Belo, onde residem pessoas em situação de vulnerabilidade social como residentes de ocupações, moradores de favela e pessoas em situação de rua.
As doações foram tantas que, segundo ele, o grupo conseguiu montar um bazar de roupas seminovas que gera renda suficiente para arcar com quase 70% das despesas para manter a assistência. Com isso, eles resolveram formalizar o voluntariado criando a “Associação Assistência sem Fronteiras”, que pretendem transformar em ONG futuramente.
“Saímos de uma situação passiva em que as pessoas iam até nós buscar alimentos e passamos a ir atrás das pessoas. Com isso percebemos uma receptividade dos mais carentes e uma quebra de paradigma e preconceito que nós tínhamos de achar que os moradores de comunidade não precisam de alimento pronto ou de roupa usada”, comenta Francisco. Ele ainda explica que o grupo percebe a diferença entre os públicos que atendem, pois, as pessoas em situação de rua, por estarem mais visíveis de alguma forma, acabam tendo uma oferta de alimento que as pessoas da favela não têm acesso.
Geraldo Firmino dos Santos, 40, é um exemplo disso. Ele trabalhava como pintor antes de chegar às ruas, onde vive há 3 anos, na avenida Água Espraiada, no bairro de Campo Belo. O pintor conta que muitas pessoas passam de carro e param para ajudar, que recebe roupa e até cesta básica, além de ter um fogão para cozinhar. No entanto, quando questionado sobre o cuidado que toma para se proteger na pandemia, responde: “Como assim coronavírus? Não sei do que se trata”. Quando explicado, ele afirma não saber muito sobre a doença, só que ela pode matar e que é necessário usar máscara. Geraldo revela, ainda, que apesar de não ter meios para fazer higiene, não se preocupa, mas se cuida e se protege porque recebeu material de doação de terceiros.
“A menor proteção das pessoas em situação de rua e moradores de comunidades carentes se dá pelo entendimento da doença. Passa o tempo e você não conhece ninguém que morreu de Covid-19, aí começa a achar que não é tão perigoso assim o contágio”, comenta José Francisco. O empresário relata ainda que não conhece nenhum caso de morte ou contaminação entre os grupos das regiões que atende. Cristina e Suelen também negam que tenha registro de algum evento entre os moradores de suas favelas e que isso acaba fazendo com que as pessoas relaxem nas medidas de proteção.
Mesmo inseridas nesse cenário de vulnerabilidade social, Suelen e Cristiane afirmam que existe um apoio entre os moradores dos bairros, o que vai de encontro aos dados da pesquisa do Data Favela: o índice de solidariedade é maior dentro das favelas, pois 63% dos favelados fizeram algum tipo de doação contra 49% dos brasileiros de um modo geral. Ainda segundo o estudo, 52% das pessoas entrevistadas receberam doações de vizinhos, amigos ou parentes, e 62% das pessoas que receberam auxílio emergencial relatam ter gasto ajudando familiares e amigos. “É um ajudando o outro com o pouco que pode”, comenta Suelen. “O pessoal da comunidade se ajuda, as pessoas são unidas, quando um não tem, eles tentam fazer o que podem”, conclui Cristiane.
Esta matéria foi produzida com apoio do Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo do Google News Initiative.