“Uma reflexão sobre a pena, ou seja, sobre o papel e os limites da sanção penal, especificamente da pena carcerária em uma sociedade democrática, exige uma avaliação inicial sobre o que se deve entender por sociedade democrática”
(Luigi Ferrajoli)
O trabalho de resgate do cidadão encarcerado pressupõe a capacidade de transformar a personalidade do preso, mediante trabalhos técnicos e educativos, realizados no interior da prisão. Sabemos do fracasso do projeto corretivo e da reiterada proposição do mesmo projeto fracassado, mas acreditamos na capacidade de mudança e na persistência daqueles que comprometidos estão com o resgate dos cidadãos presos.
Trabalhar com as questões subjetivas da prisão é um grande nó a ser desatado. As relações no mundo marginal tanto quanto a sociedade sofreram mudanças ao longo dos anos. As ações marginais sofreram alterações na sua forma, na sua prática e no perfil do autor da ação. Essas ações tiveram transformações básicas e visíveis nas últimas quatro décadas, com movimentos horizontais e verticais.
Nas décadas de 1960 e 1970, as ações marginais tinham um movimento horizontal, possuíam o perfil de ação grupal. Tratava-se de um crime associativo, praticado por adultos que dividiam o lucro de forma igualitária; “eram sócios”. A partir da década de 1980, com a comercialização visível das drogas, as relações interpessoais mudaram e as ações verticalizaram-se, tornaram-se de cunho capitalista, onde o comércio ilegal gerou postos de trabalho, hierarquia e lucro, mudando o seu perfil e a característica do autor, que agora é jovem.
Nesta perspectiva, se faz necessário observar esse novo ator e adaptar novas metodologias para trabalhar com esse público de pouca idade, consumidor, imediatista, como todo jovem. Por serem, na maioria, oriundos dos cinturões de pobreza do estado ou dos morros e favelas da cidade, veem no comércio ilegal ou em outras atividades marginais um meio rápido de resolução da sua invisibilidade social – sem falar dos jovens da classe média que também começam a conhecer os cárceres do mundo globalizado.
A sensação de supremo poder é característica do jovem. Junte a isso uma arma, que nada mais é do que um símbolo fálico, o poder que exerce na sua comunidade, o fascínio que exerce sobre as jovens e a adrenalina dos dias viris de perseguição, para termos um quadro extremamente desagregador e explosivo. O jovem envolvido na marginalidade atinge hoje, com a idade muito tenra, um patamar social dentro da sua comunidade que um homem só alcança quando atinge a maturidade profissional.
Aos jovens, é oferecido uma pseudoestabilidade financeira, o respeito/medo da comunidade, e uma enorme profusão de parceiras – status este que só o poder oferece. Mas não existe maturidade emocional para administrar esses avanços de etapas. Não há planos, não há sonhos, não há futuro, tudo é imediato, tudo é urgente e fatalmente finito. Esse jovem infrator, que está permeado no tecido social, só é detectado para fins correcionais. Não há um investimento no futuro, na perenidade do bem através do resgate dos indivíduos.
Educação e trabalho como caminho
Trabalhar a recondução do preso através de atividades laborativas e educacionais deveria ser o objetivo principal da execução da pena. Capacitar o indivíduo para o trabalho é o caminho de integração do egresso com a sociedade. A absorção de conhecimento é ferramenta fundamental para o retorno do homem ao convívio social. É oferecer instrumentos capazes de garantir que ele possa ter escolhas não danosas a si, à sua família e à sociedade em que vive.
A porta de entrada do sistema – unidade que recebe todos para posteriormente distribuí-los pelas outras unidades – é a vertente que detecta e situa o preso dentro do novo contexto. Este preso deveria ser distribuído conforme a tipificação do seu delito, de suas características educacionais, da sua capacidade laborativa, além de tantos outros critérios que se fizessem necessários para que se tenha unidades com perfis definidos para cada etapa da execução da pena, compatíveis com o perfil do indivíduo apenado.
O trabalho deve se iniciar logo que o interno chega à prisão para que se possa viver a perspectiva de transformação desse indivíduo. Só um processo pedagógico contínuo faz com que o preso reformule suas ideias e busque novas alternativas para sua vida.
Faz-se necessário investir no trabalho e na educação nas unidades prisionais de forma urgente. Só o envolvimento desse jovem com as atividades educacionais, culturais e laborativas pode oferecer parâmetros reais para obtenção de benefícios e uma perspectiva diferente da reincidência.
Envolver as unidades em um trabalho educacional contínuo é minimizar conflitos, é possibilitar o acesso a poderosos instrumentos de cidadania: o trabalho, a informação, o conhecimento. É importante envolver as organizações não-governamentais, as organizações da sociedade civil de interesse público e outras instituições nas atividades intramuros. Suas metas e avanços vão se refletir não só nos relatórios de progresso, de impacto e em outras mensurações, mas, acima de tudo, vai se refletir qualitativamente na mudança do indivíduo encarcerado e na sua possibilidade de voltar ao convívio social em melhores condições e competir no mercado de trabalho.
As universidades e outros centros de ensino devem ser envolvidos nessas ações através da criação de um banco de horas transdisciplinar para oferecimento de suporte técnico. É preciso avançar, implementar em definitivo a Lei de Execução Penal, que responde com eficiência às questões de execução da pena, observando, como diz J. Kaplan: “a sabedoria de uma lei deveria ser determinada em termos pragmáticos, comparando-se os custos que impõe à sociedade aos benefícios que traz”.