Apesar da Covid-19 ter imposto o isolamento social para coibir o contágio da doença, crianças e adolescentes continuam trabalhando aos domingos na Feira do Bugio, zona norte de Aracaju, Sergipe. O Ministério Público do Trabalho em Sergipe (MPT-SE) informou que, segundo denúncias, no período da pandemia, não tem ocorrido exploração infantil no mercado de trabalho formal sergipano. No entanto, a instituição observou que ocorreu um aumento nas atividades de rua, como venda de balas e produtos por parte de adultos, crianças e adolescentes.
Uma das crianças que estava na Feira do Bugio, no último dia 20, para trabalhar com carreto, conta que costuma ir para a feira do bairro Dom Pedro. “Essa é a primeira vez que venho para cá. Eu trabalho nas feiras livres desde os meus dez anos. Estou aqui para ganhar dinheiro e comprar minhas coisas. Eu moro com minha mãe, dois irmãos e uma sobrinha. Apenas um dos meus irmãos trabalha”, declara.
Reabertura das feiras em Aracaju
Segundo a Empresa Municipal de Serviços Urbanos (Emsurb), estão funcionando 18 feiras livres em Aracaju, com a abertura da feira livre do bairro São Carlos, neste sábado, 26. A Emsurb revelou, ainda, que a retomada das feiras livres continuará em um formato que tanto assegure condições sanitárias para o comércio, quanto garanta medidas de prevenção e combate ao novo coronavírus.
Ronaldo Aragão, 35, que trabalha há sete anos como fiscal de feira livre, explica que sempre observou o trabalho infantil nesses espaços. “O Conselho Tutelar esteve aqui essa semana e fez uma triagem com os menores. É recorrente a presença dos conselheiros tutelares tanto nesta, quanto nas outras feiras”, explica.
O Conselho Tutelar é encarregado de zelar pelos direitos da criança e do adolescente. Atualmente, Aracaju conta com 30 conselheiros tutelares eleitos e seus respectivos suplentes que atuam em seis distritos. As fiscalizações do órgão nas feiras livres não impede a prática do trabalho infantil.
L.M.C.S, 16, estudante da primeira etapa do supletivo, trabalha na Feira do Bugio desde os 11 anos. “Eu moro sozinho com minha vó, preciso ajudar em casa. Só aqui encontrei um jeito de trabalhar e ter meu dinheiro. Se tivesse outra oportunidade, eu iria, mas não sei se sairia da feira. Eu gosto de trabalhar por aqui”, afirma.
O autônomo Carlos Reis, 51, estava fazendo compras na feira e chamou um dos garotos para levar as mercadorias para casa. “Eu pego carrego com eles para ajudar porque sei a situação deles. Eu já passei por isso quando era criança. A maioria deles vem para a feira para ajudar a família. O que falta na nossa sociedade e nos governantes é incentivar esses meninos. Eles não têm acesso a escola e alimentação de qualidade, estão apenas sobrevivendo”, conclui.
De acordo com o procurador do trabalho Raymundo Lima Ribeiro Júnior, as maiores violações de direitos humanos no Brasil passam por um processo de invisibilidade. Além disso, a principal causa do trabalho infantil é a desigualdade socioeconômica gritante do país. “Essas desigualdades fazem com que o fenômeno do trabalho infantil seja naturalizado. A sociedade acaba aceitando o discurso fácil, terrível e que chega a ser fascista, de que é melhor o trabalho infantil do que as drogas ou o crime. Esse é um discurso elitista e fascista que o Ministério Público do Trabalho não aceita”, enfatiza.
O procurador ressalta ainda a necessidade de inclusão dos adultos, crianças e adolescentes vulneráveis na sociedade. “Incluir na educação de qualidade, nas políticas públicas e assistência social para que essas crianças e adolescentes sejam adultos emancipados no futuro e com autonomia. Para que eles possam trabalhar em um emprego decente e construam suas famílias em uma sociedade equilibrada”, finaliza.
Causas e consequências do trabalho infantil
O trabalho infantil acontece devido às desigualdades sociais, ineficiência de políticas públicas, desemprego dos adultos, desestruturação das famílias e inexistência de políticas de assistência social. As consequências são a evasão escolar, acidentes de trabalho, adoecimento no emprego, desqualificação profissional, além da facilidade dessas crianças e adolescentes serem alvos dos exploradores de trabalho escravo.
M.R.V.S, 14, conta que vive com quatro pessoas em casa e somente sua mãe trabalha. “Tem um ano e dois meses que trabalho nessa feira e em outra. Estou no sétimo ano do ensino fundamental. Se tivesse outra oportunidade de trabalho com carteira assinada, eu iria”, relata.
A Constituição da República e a legislação trabalhista proíbem qualquer forma de trabalho ao menor de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos, e ao menor de 18 anos, em lugares perigosos, insalubres, penosos ou em serviços prejudiciais à moralidade do menor. A cota de contratação de aprendizes é definida no art. 429 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), estabelecida entre 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento.
Esta matéria foi produzida com apoio do Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo do Google News Initiative.