Mãe, mulher e pesquisadora. Essa é a rotina de Lidiany Calvante, de 43 anos, desde 2014. Com dois projetos de extensão ao ano e seis disciplinas para ministrar de segunda à sexta, em graduação e mestrado, o tempo de descanso vira espaço para continuar com as atividades da pesquisa ou do trabalho.
“É complicado ter tempo para descansar. Até quando estamos de férias pensamos na pesquisa, aproveito para terminar de escrever um projeto, um artigo, corrigir alguns trabalhos. Às vezes, durante a semana, espero minha filha dormir para que eu possa dar continuidade nas demandas”, conta.
Formada na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Lidiany é graduada em Serviço Social e pesquisadora. Ela faz parte dos 46% de mulheres pesquisadoras nos países da América Latina e do Caribe, segundo dados da British Council, em parceria com a Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
“Nem sempre dá para dividir o tempo, interfere nos finais de semana. Tem momentos que preciso ter uma visão mais ampla para cuidar um pouco de mim”, fala.
Mesmo a sala de aula tendo um horário fixo, a docência e a pesquisa não têm hora para acabar. “Tem pessoas que esquecem que, fora a sala de aula, temos o planejamento de conteúdo, a prestação de contas. A pesquisa tem a construção de dados, a escrita, tem dias que não tem jeito, vou até de madrugada escrevendo”, relata.
Bruno é pai, funcionário público, professor e pesquisador
Esse tipo jornada também é realidade para Bruno Cordeiro Lorenzi, de 37 anos. Bruno é servidor público, professor, doutorando e pai. Ele acumula todas essas atividades e não pôde se afastar do cargo que exerce no Ministério Público do Amazonas, como Chefe de Divisão de Controle Interno.
“Ministro várias disciplinas, não consigo nem contar quantas. Meu trabalho como servidor é de oito da manhã até cinco da tarde e as aulas, das 18h30 às dez e meia da noite, em universidade privada”, diz.
Professor desde 2014, Bruno conta que precisou do apoio da esposa para continuar com a tripla jornada. “Tenho um filho e, às vezes, só sobram os finais de semana para descansar e ficar ativamente com ele. Outra coisa é o cansaço que, querendo ou não, acaba interferindo na qualidade da pesquisa, junto com tantas outras atividades”, explica.
“Não tive escolha, era isso ou amargar os problemas”
Danilo Egle Santos Barbosa, de 40 anos, vai dormir por volta de meia-noite. O dia com 24 horas parece curto para dividir o tempo com dois filhos, esposa, docência e pesquisa.
A rotina começa às 5 horas da manhã. Junto com a esposa, Danilo prepara os filhos para a escola e depois seguem rumo ao trabalho. Por passar mais tempo fora de casa e pela distância, Danilo prefere ir de carro de aplicativo e deixar o veículo da família com a companheira.
Formado em Relações Públicas pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e pós-doutorando em Sustentabilidade pelo Programa de pós-graduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, essa é a primeira vez que Danilo faz pesquisa e dá aula ao mesmo tempo.
“Como pesquisador, eu não tenho como manter minha casa e minha família, e por isso sempre trabalhei fazendo serviços aqui e ali, na área de comunicação. Por vezes, eles duram três meses, seis meses, mas sempre como prestador de serviço. Não tive escolha, era isso ou amargar problemas por não ter dinheiro”, relata.
Filho de doutor e irmão de um mestre, Danilo da aula em uma disciplina optativa por semestre. Ainda assim, ele sente o cansaço e a correria equivalente a um ano letivo. Na UFAM, o docente tem que ter no mínimo 8 horas em sala de aula por semana.
“Já dei aula em 2011 e 2012, mas não era doutor. Era mais tranquilo, apesar de ter já ter jornada dupla. Hoje é um pouco mais sério. Não acredito que faça um dos dois de forma plena. Nos períodos em que não estou dando aula, consigo melhores resultados na pesquisa e de forma mais rápida. A impressão que tenho quando preciso fazer as duas coisas é que o dia não tem fim, pois sempre falta algo”, explica.
Apenas na UFAM, há mais de 80 docentes realizando qualificação, segundo dados atualizados em novembro do ano passado.
“O corpo vive tenso com as entregas”
Mesmo tentando caminhar duas vezes por semana, o tempo para descanso e lazer ainda é curto. Por conta do estresse, Danilo começou a perder o cabelo, quase desenvolveu diabetes e começou a ter pensamentos acelerados.
“O corpo vive tenso com as entregas, as demandas e os prazos. É difícil desligar ao chegar em casa. O problema é que isso afeta diretamente o relacionamento com a minha família”, conta.
Inúmeras vezes, Danilo pensou em desistir de ser pesquisador. A pesquisa requer uma dedicação que nem todo mundo pode oferecer, seja por questões financeiras ou pelo tempo. “Algo que aprendi, mesmo antes de estar nessa condição, é que a pesquisa leva tempo, precisa de dedicação e é, sobretudo, um desenvolvimento solitário. Mesmo que tenhamos colegas no grupo de pesquisa, é preciso desenvolver individualmente seus avanços”, diz.
A UFAM conta com dois serviços médicos. O primeiro é o Centro de Atenção Integral à Saúde (CAIS) que, além de outros serviços médicos, oferece orientação psicossocial. O segundo serviço, o ambulatório Araújo Lima, está fora da sede em que os professores geralmente ministram aulas.
A reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação da universidade, solicitando informações sobre a busca de professores por atendimento para saúde física e mental, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.
Na outra universidade pública do estado, a Universidade Estadual do Amazonas (UEA), o ambulatório ainda está em construção. A previsão de entrega é daqui a 12 meses. No momento, há apenas uma policlínica de odontologia.
“Eu chamaria de múltipla jornada”
A mesma rotina acelerada acontece com Leandro Coelho de Aguiar, de 40 anos, natural do Rio de Janeiro. Leandro veio para Manaus em 2016, depois de ser aprovado no concurso da UFAM. Atualmente, ele é doutorando no Programa de Pós-Graduação em História Social.
“Sempre fui professor, desde 2005, sendo os últimos sete anos no ensino superior da UFAM. Tive a opção de pedir licença remunerada para realizar o doutorado, mas preferi continuar dando aula e pesquisando, pois havia alguns projetos sendo idealizados dentro da universidade”, relata.
Segundo dados do site Capes, contabilizando mestrados e doutorados, no Brasil há mais de 4.500 programas voltados para pesquisa, sendo 283 na região Norte e 63 no Amazonas.
Aguiar ministra aulas em Manaus e no interior do Amazonas. É a segunda vez que exerce dupla jornada. A primeira foi entre 2010 e 2012, quando estava realizando o mestrado em Ciência da Informação no Rio de Janeiro, mas a pressão aumentou com o doutorado.
“A jornada de um professor universitário federal não se estende apenas ao ensino e à pesquisa, tem a extensão e a administração. Às vezes, a administração e a burocracia consomem muito mais tempo e causa muito mais desgaste físico e mental. Eu até chamaria de múltipla jornada”, diz.
Ele considera que a múltipla jornada de professor e pesquisador causa, principalmente, cansaço mental. “Se fosse somente a prática de pesquisa regular com projetos, seria menos cansativo. O dia a dia na sala de aula sempre será influenciado por problemas pessoais, sociais, trânsito”, enumera.
Estabilidade profissional e financeira
O dia de Leandro acaba de madrugada, por volta das 3 horas, em casa, entre o preparo de aulas, orientações de trabalhos de conclusão de curso, projetos e a decisões administrativas. Essa rotina o coloca na estatística dos profissionais da área que mais trabalham.
Conforme a pesquisa Síndrome de Burnout em Professores Pesquisadores Brasileiros, publicada em julho de 2022, mais de 60% dos pesquisados declararam trabalhar mais de 40 horas por semana.
Depois da pandemia, o quadro de saúde mental de Leandro piorou, desencadeando ansiedade e aumentando o consumo de cigarro. Apesar do hábito de fumar, Leandro sempre tenta realizar check-up médico e ter acompanhamento profissional psicológico.
“Às vezes o corpo demonstra desgaste físico e mental, chegando ao auge de reagir com dores. Já me arrependi de pegar tanto trabalho, pois o planejamento e a noção da importância de ser dedicar ao lazer e descanso só vêm com a experiência”, relata.
Hoje, ele tenta manter um equilibro entre o trabalho e a pesquisa, com rotinas físicas e buscando melhorar a saúde mental. Após o expediente na universidade, se esforça para praticar exercícios físicos, energizar o corpo e aliviar o estresse.
Dedicação exclusiva à pesquisa ainda não é viável
Jalna Gordiano, 40 anos, ainda não exerce a docência, mas tem tripla jornada como mãe, pesquisadora e assistente social. Jalna é Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia (PPGSS-UFAM).
Na maioria das vezes, o tempo para dormir se resume a cinco horas e o lazer acaba ficando em segundo plano. “Não há tempo para cuidar da saúde, os hábitos são os piores possíveis. Eu almoço e janto quando dá, e durmo muito tensa por causa dos prazos. Acabo não tendo aquela qualidade de sono necessária”, conta.
Atuar exclusivamente como pesquisadora ainda não é algo viável para Jalna. “É a primeira vez que estou trabalhando de carteira assinada, e como é tudo muito corrido, acabo fazendo a pesquisa apenas à noite e aos finais de semana”, diz.
A responsabilidade como mãe e o trabalho bem remunerado como assistente social acabam sendo a prioridade. “A pesquisa não fica prejudicada, mas devido o pouco tempo e o cansaço, pode perder um pouco a qualidade. Acredito que trabalhar com pesquisa é estar atento ao desenvolvimento humano e profissional, e eu concilio isso ao meu trabalho como assistente, é algo que me mantém viva”, finaliza.
Elanny Vlaxio
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