Tsunami ou marolinha, eis a questão

Brasília - O procurador Deltan Dallagnol participa da palestra Democracia, Corrupção e Justiça: diálogos para um país melhor, no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), campus Asa Norte (José Cruz/Agência Brasil)

A imprensa em geral recebeu com comedimento e em alguns casos ceticismo as revelações do The Intercept divulgadas no domingo. Por dever de ofício, todos os veículos registraram as matérias iniciais da série que o site promete para azucrinar a vida dos poderosos da Lava Jato, mas deram generoso espaço para a reação dos principais envolvidos, torcendo do fundo do coração para que, como o carnaval, tudo acabe na quarta-feira. Colunistas defenderam o ministro e o procurador com um singelo sofisma: gravações ilegais não podem cancelar nada do que foi feito e decidido. É válido, mas eu pergunto: e vão continuar todos impunes por causa deste vício de origem? É o que se insinua, e até em sites e páginas amigos da verdade transparece certo ceticismo: vai continuar tudo como está. Enquanto prevalece esse raciocínio, vamos mal, realmente.

A questão é que The Intercept promete mais chumbo grosso daqui para a frente, a começar pela revelação de um jornalista ex-editor de revista semanal integrante do grupo dos golpistas da república de Curitiba. Fichinha, mas faz prever que ninguém escapará ao volume de informações repassadas ao site. Seu responsável, o jornalista americano radicado no Brasil Glenn Greenwald, ganhou o Pulitzer, maior prêmio jornalístico dos EUA, divulgando os segredos de Edward Snowden, jovem agente da CIA que pulou fora quando sacou que sua expertise em informática é usada para mentir, enganar e matar ao redor do mundo. Snowden disse, por exemplo, que o Brasil teve o segundo maior volume de interceptações em comunicação promovida pela agência no ano de 2013. Monitorou-se tudo eletronicamente, o que levou a presidente Dilma a cancelar uma viagem programada aos Estados Unidos.

A ascensão meteórica do juiz Sérgio Moro começou no ano seguinte, o da Copa do Mundo aqui, com a Operação Lava Jato. Ao longo dos anos que se seguiram muitas foram os questionamentos quanto aos métodos empregados contra alvos específicos, dos quais Lula era o mais evidente. O modus operandi dos procuradores, a brutalidade da Polícia Federal e a ação espetaculosa da imprensa levaram à formação da onda moralista na classe média com o mote geral de “vamos acabar com a corrupção”. O problema é que são os corruptos que estão por trás da onda sempre, afinal a corrupção é inerente ao capitalismo, hoje apontado em cada esquina como o grande inimigo da democracia.

Há pouco tempo o ex-presidente Barack Obama passou pelo Brasil fazendo palestras e dando entrevistas em que defendeu o direito à educação como base de desenvolvimento dos povos. Quem acha que ele estava do lado dos professores e estudantes brasileiros que protestavam nas ruas pode baixar o braço, porque ele estava a serviço e financiado pelo lobby americano da educação privada, que avança sobre o nosso sistema a passos largos. Quer dizer: a promoção das empresas do país no exterior, que rende prestígio e dinheiro aos ex-presidentes americanos, foi o que levou Lula à cadeia aqui como ladrão. E Obama, que apontou Lula e disse num encontro de presidentes “Esse é o cara”, desta vez não quis visitá-lo, nem falou no seu nome e, se perguntado, com certeza faria cara de espanto: “Quem?!” E as pessoas que se puseram no poder no Brasil com apoio americano estão liquidando o país em velocidade supersônica, inclusive e sobretudo Sergio Moro e Deltan Dallagnol.

Por isto, também, a série de revelações recém iniciada por representa um alento, sopro de esperança em meio à enorme corrupção que se instalou em nome do combate à corrupção doméstica, ancestral, característica do subdesenvolvimento nacional. A roubalheira do petróleo, dos recursos naturais, das reservas minerais, do mercado financeiro e bancário é muito mais grave. O envenenamento progressivo da população por agrotóxicos, a perda acelerada dos direitos dos trabalhadores, dos indígenas, dos vulneráveis, o abandono das propostas ambientais mundiais, tudo isso é muito pior e está em xeque nas linhas e entrelinhas das reportagens publicadas desde este domingo. Nossa imprensa está vendida, o povo anestesiado, a discussão dos temas nacionais pautada por Bolsonaro, Damares, Olavo de Carvalho e pelos militares entreguistas que fizeram continência à bandeira americana junto com seu candidato, a um mês das eleições do ano passado.

Há quem queira o povo nas ruas enfrentando a polícia que mais mata no planeta, quem diga que a favela tem que descer e ocupar asfalto, que os movimentos sociais, sindicatos e associações engrossem a massa. Teremos nos próximos dias a greve geral prometida, um indicador do estado de ânimo da população. É de se ver, mas prefiro as instituições marcando suas posições e cobrando atitudes ao sangue derramado, que é tudo o que estes milicianos que mandam no país desejam, e tudo por que torcem militares mais exaltados.