Ainda hoje encarada como uma doença do século passado, a tuberculose faz muitas vítimas. O Rio de Janeiro é o campeão nacional de óbitos, com 182 mortes em 2016. A vulnerabilidade social de parte da população e a falta de informações sobre a doença é, sem dúvida, uma das causas para a proliferação.
As dificuldades começam já no diagnóstico. A demora na identificação da doença pode ser fatal, pois quanto antes o tratamento for iniciado, maiores são as chances de cura. Para o secretário executivo do Fórum Estadual de ONGs na Luta Contra a Tuberculose/RJ Roberto Pereira, os próprios médicos precisam conhecer melhor o tema.
– Existe uma descrença a respeito da tuberculose na própria comunidade médica. Vários profissionais se surpreendem com os casos. A formação dos médicos é muito deficitária na área. A capacitação ainda na universidade é necessária, avalia.
Populações vulneráveis são mais suscetíveis à doença, e presidiários e moradores de rua os mais afetados nas grandes cidades. O tratamento difícil, que inclui uma quantidade considerável medicamentos potentes e que pode durar até dois anos, também é uma das grandes causas de óbitos. A taxa de abandono é alta.
– Até o fechamento dos restaurantes populares são um problema para o tratamento de moradores de rua, que precisam se alimentar com frequência para aguentar a carga de medicamentos no organismo, explica.
Tratamento ultrapassa a medicina
As más condições de habitação e saneamento das favelas também as tornaram um importante foco da doença. Rita Smith conhece bem esta realidade. Sobrevivente da tuberculose, ela perdeu a mãe para a doença e fez da causa uma missão em mais de 12 anos de serviços prestados como agente comunitária de saúde na Rocinha, favela onde vive. Rita coleciona vitórias no tratamento dos doentes que acompanhou e que só puderam ser possíveis com o atendimento a outras demandas dos pacientes.
“Se não houver intervenção, como no caso de abertura de ruas, a tuberculose vira um círculo vicioso”, afirma. A Rocinha viveu isso na antiga Rua 4, que concentrava muitos casos na comunidade. Com as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a rua foi alargada em 1,2 m. A melhoria nas condições de saúde locais foi significativa, com uma redução de 80% nos casos.
As dificuldades materiais e o trabalho informal influenciam na continuidade. “Muitas pessoas estão idade produtiva. Não podem ficar um ano se tratando, afastadas do trabalho, enquanto a família passa fome”, explica a agente de saúde aposentada. Um doente pode levar até dois anos para se curar caso seja portador de bactéria multi ou super-resistente à medicação.
O apoio psicológico é fundamental também para a cura. A própria Rita Smith, diagnosticada nos anos 1980 com a doença, credita os problemas pessoais e o abuso de álcool e drogas para as dificuldades que viveu para alcançar a cura. Foi o amor pelos filhos que a fez continuar o tratamento, se curar e tornar a erradicação da tuberculose uma missão de vida. “Falam que a tuberculose é consequência da falta de amor. Eles precisam de apoio. Ninguém nunca morreu na minha mão, nunca tive um abandono (de tratamento). Cada pessoa que eu ajudo a se curar era como resgatar um pedacinho da minha mãe”, resume.
Leia mais sobre o tema na edição de Abril de 2017 do Jornal A Voz da Favela.