No mês de alta temporada no Rio de Janeiro, o turismo de base comunitária bomba nas comunidades da cidade. Mas, longe de viver seu melhor momento depois do abandono governamental e da morte de uma turista espanhola, os guias tentam ressignificar seu trabalho e afirmar a importância de a favela ser visitada e conhecida por todos.
Segundo a pesquisadora da USP Bianca Freire-Medeiros, os primeiros relatos das atividades de turismo nas favelas datam de quase três décadas. A Rocinha é uma das regiões com grande número de visitações na cidade. Logo após a chegada das Unidades de Polícia Pacificadora a diversos morros da cidade, o poder público começou a investir na atividade, junto com o Sebrae, em favelas como Vidigal, Complexo do Alemão, Chapéu-Mangueira, Babilônia, Cantagalo, Pavão-Pavãozinho, Providência e outras.
Em 2010, foi lançado o Rio Top Tur, um projeto de parceria entre Ministério do Turismo e Governo do Estado do Rio de Janeiro. Na data, o presidente Lula visitou o Santa Marta e afirmou: “O que está sendo feito aqui no Rio hoje é um exemplo do que será implementado em todo o território nacional”. Ele se referia às medidas tomadas para integrar a segurança, a abertura de linha de financiamento para o comércio local e o projeto para o turismo.
Teleféricos foram construídos para chamar a atenção dos turistas nessas favelas. Hoje, o plano inclinado de Santa Marta sofre com a falta de conservação e ameaça parar – caminho já seguido pelos teleféricos do Alemão e da Providência, que estão parados há mais de um ano.
Legislação
Após a morte da turista espanhola María Esperanza Jiménez Ruiz em outubro na favela da Rocinha, projetos de lei ganharam destaque nas casas legislativas do Rio de Janeiro para regular o turismo nas favelas. A lei 3.598/17, da deputada e vice-presidente da Comissão de Turismo da Alerj Zeidan (PT), foi aprovada em novembro desse ano. O texto foi apresentado logo após o caso da Rocinha. A lei prevê prioridade para guias e condutores locais na visitação.
Proposta similar também consta do projeto de lei da vereadora Teresa Bergher (PSDB), que ainda corre na Câmara Municipal do Rio. Um dos artigos polêmicos do PL estabelece um pedido de autorização às autoridades policiais para cada tour que for realizado. Em audiência na casa, guias e agências mostraram insatisfação com a proposta.
Em 2015, o vereador Célio Lupparelli (DEM) propôs o PL 1599/2015, que visa tornar algumas favelas em Áreas de Especial Interesse Turístico (AEIT). Sua idéia inicial era fazer uma lei que acabasse com o turismo nas favelas cariocas, criticando os chamados “favela-safáris”. Em conversa com moradores e guias locais, entendeu que devia fazer um projeto de lei que incentivasse o turismo de base comunitária. “Nosso turismo tem que ser feito pela base. Nada de exploração externa”, afirma Thiago Firmino, guia local da Favela Santa Marta e componente da Associação de Guias Locais de Favelas (AGLF). Thiago também é um dos entusiastas da lei, que ainda está parada na Câmara.
Além disso, a Riotur e o Sindicato dos Guias de Turismo do Rio de Janeiro (Sindegtur/RJ) propuseram ainda a criação de um selo para o turismo nas favelas. Ele ofereceria uma qualificação para guias que quisessem circular nas comunidades. A proposta, que poderia prejudicar o turismo de base comunitária por não priorizar os guias locais, acabou rejeitada.
Com tanta controvérsia, uma pergunta que sempre surge é: o que faz estrangeiros e brasileiros subirem o morro? Essa pergunta foi muito bem respondida por Paulo Amendoim, um dos guias mais antigos da Rocinha, logo após a tragédia que vitimou a turista espanhola: “Não é difícil entender por que as pessoas querem subir a favela. Favela é vida, é energia. As pessoas querem conhecer, de fato, nosso povo. A cidade não é só Copacabana, Ipanema, Pão de Açúcar e Corcovado”.
Publicado na edição do mês de janeiro de 2018 no jornal A Voz da Favela.