Em meados de fevereiro, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) propôs pela primeira vez uma comissão avaliadora de inscritos em seus cursos através de cotas raciais. Na época houve uma resposta negativa nas redes socais e até em veículos de notícias por uma parcela dos avaliados, que questionaram os resultados da comissão e relataram sofrer constrangimentos.
José (nome fictício) morador de uma favela em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, foi um dos avaliados que, no seu caso, só conseguiu a vaga com um recurso e considerou a segunda banca pela qual passou mais preparada do que a primeira. Ele relata: “A ideia da banca é boa, mas a UFRJ foi infeliz com o jeito de agir nelas. Tem muita gente injustiçada ainda. Não vejo como banca avaliadora, e sim banca julgadora”. E completa: “Mas o que me chateia mais é eu tentar sair da realidade que vivo aqui dentro e eles me barrarem por me considerarem branco, e se fosse assim, queria que a PM também me considerasse branco nas vezes que entro onde eu moro.”
Na época, a UFRJ se posicionou contrária às denúncias: “Conscientes do peso desse trabalho sério e responsável, frente a toda complexidade existente, o tripé institucional envolvido no certame reafirma o compromisso com a construção de uma universidade pública, mais justa e menos assimétrica, que reconheça nossos saberes e seja inclusiva, diversa e pluriétnica. A lei existe e será cumprida.”
O início das aulas na UFRJ, assim como em diversas outras instituições de ensino superior, foi suspenso devido à pandemia de Covid-19. Recentemente, a UFRJ lançou notas oficiais em que manifesta a pretensão de retorno das aulas remotamente. Juntamente a outras partes do planejamento para tal, convocou ao procedimento citado acima os estudantes classificados na terceira chamada da lista de espera para seus respectivos cursos. As avaliações começam nesta segunda, dia 6 de julho.
Tal convocação gerou respostas negativas mais uma vez. Só que agora a questão reclamada é também outra. A UFRJ já informou publicamente que enquanto não houver vacina ou medicamento, as atividades presenciais não serão retomadas, mas se contradiz quando convoca estudantes a se apresentem de forma presencial.
João (nome fictício), que também foi avaliado na época, procurou a ANF para denunciar o seu descontentamento com tal situação: “O negócio é feito pra fazer uma compensação histórica e ajudar um determinado grupo, só que em vez disso eles colocam todo mundo pra passar por um processo que já é constrangedor e no meio de uma pandemia ainda. É incrível a hipocrisia da UFRJ, pois absolutamente todas as atividades presenciais estão suspensas, mas para medir quem é pardo o suficiente para entrar na universidade, eles não podem perder tempo”.
Em nota, a UFRJ apresenta como obrigatório que os estudantes se apresentem de máscara, porém João levanta o questionamento em sua denúncia: “Uma vez que o procedimento de heteroidentificação analisa características faciais como formato do nariz e lábios, além da cor de pele, será que a UFRJ vai mandar que o candidato retire a máscara para ser analisado? É a mesma coisa de colocar pobre na fila da lotérica para receber auxílio. Aglomeração no meio de uma pandemia. São os negros, pardos ou indígenas que vão estar lá. Qual é a diferença dos gestores da UFRJ para o presidente Bolsonaro nesse caso? Muito pouca. Mais de 150 pessoas vão passar por esse processo de heteroidentificação. É aglomeração”.